segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Literatura Europeia

A questão de existir ou não uma literatura europeia é complexa e está muito longe de reunir consenso.
Respondendo ao desafio que foi lançado de questionar o conceito de literatura europeia a partir da análise dos critérios editoriais de uma grande editora ou colecção, escolhi a colecção “livros de bolso Europa-América”. A escolha baseou-se no facto de se tratar de uma colecção que abarca várias centenas de títulos, publicados ao longo de várias dezenas de anos. Em minha opinião, esta será talvez a colecção mais completa que se possa analisar, pelo menos do que conheço em Portugal. Pela mesma razão pode tratar-se de uma colecção com uma análise complexa.
Trata-se de uma colecção que surgiu em Portugal ainda antes de 1974 e que se mantém até aos dias de hoje percorrendo todos os géneros literários desde o romance à poesia passando também pelo ensaio, pelo conto, entre outros géneros. Pela sua abrangência, será com toda a certeza um bom exemplo para análise.    
Começo esta análise por constatar um facto: sendo uma editora portuguesa, a colecção tem muitos nomes portugueses. Sem querer menorizar a literatura portuguesa, de que aliás gosto muito, penso que uma colecção deste tipo, editada em qualquer outro país da Europa, não teria tantos autores portugueses tendo, isso sim, mais autores do respectivo país. Este facto parece-me incontornável. Parece-me óbvio que qualquer editor será conhecedor profundo da literatura do seu país. Assim, ao editar uma colecção, terá tendência para publicar o que melhor conhece, em detrimento do que não conhecerá tão bem. A isto juntar-se-á também um compreensível nacionalismo. Perante estes factos e considerando que a nacionalidade do editor é factor muito condicionante dos critérios editoriais, vou continuar a análise excluindo da mesma os autores portugueses, uma vez que verifico que na opinião do editor da colecção que analiso, muitos deles fariam parte de um possível panteão, como fariam muitos autores lituanos, se o editor fosse lituano e a colecção publicada na Lituânia.  
Passo a analisar a questão da língua. Seria Shakespeare o autor incontornável que realmente é se não escrevesse em inglês? Seriam as suas obras conhecidas como são se tivessem sido escritas em húngaro ou finlandês? Na minha opinião, a língua é fortemente condicionadora da exposição que um autor pode vir a ter, ou seja, existem línguas que são universais e de certa forma facilitam que uma determinada literatura seja mais conhecida que outra. Torna-se mais fácil descobrir um novo autor que escreva em inglês ou francês, que são línguas aceites e entendidas universalmente, do que se este escrever numa língua menos conhecida. Respondendo às perguntas que coloquei no inicio deste parágrafo, sem dúvida que Shakespeare, pela sua qualidade, seria igualmente um autor incontornável se tivesse escrito em húngaro ou finlandês. A sua ascensão é que teria sido mais difícil, julgo eu.
Outro aspecto importante é que para o melhor e para o pior, uma editora sobrevive das vendas dos seus livros. Infelizmente para os amantes da literatura, poucas editoras se poderão dar ao luxo de lançar uma obra sem ter a certeza que as vendas serão proveitosas. Ao longo dos tempos vários editores se terão deparado com o dilema de publicar ou não uma grande obra que por ser desconhecida pode não ser rentável. Hoje mais do que nunca a dimensão de um autor é condicionada por questões económicas. Por outro lado, com os mecanismos de promoção, é possível, em pouco tempo, arrancar um autor do anonimato e transformá-lo num “campeão de vendas”. Não quero com isto dizer que vender muito é sinónimo de merecer referencia no âmbito de uma análise da literatura europeia.  
Outra constatação que retiro desta análise é a evidente influência da questão social e da questão política na escolha dos títulos, traduzidas no grande número de obras neo-realistas existentes na colecção. Assim, outro factor que condiciona o erigir de um panteão é o ambiente social e político. Um determinado autor pode ser considerado inquestionável num determinado contexto político e social, e questionável num outro contexto oposto.  
Qualquer editora ou colecção se rege por critérios editoriais que variam entre elas. Um dos critérios, a título de exemplo, pode ser apenas o de apenas publicar prosa, ficando neste hipotético caso excluídos autores que apenas escrevam poesia.
Olhando para a lista de Jean-Louis Backès, verifico que os nomes apresentados se repetem na colecção que agora analiso. Talvez seja uma conclusão um pouco precipitada, mas parece que existirão alguns nomes incontornáveis a figurar num possível panteão. Penso que uma análise a outras editoras e colecções daria força a este pensamento: há de facto um grupo de autores incontornáveis na literatura europeia.
Na pequena lista de Backès surgem 18 autores. Desses 18, 6 são franceses, 6 russos, 3 ingleses, sobrando 1 italiano, 1 alemão e 1 norueguês. Realizando uma análise rápida à colecção em análise verifica-se também uma tendência que dá a entender a existência de um predomínio das línguas francesa, russa, inglesa e alemã, se excluirmos os autores portugueses, apenas pela razão atrás exposta.
É inegável a influência e importância de nomes como Proust, Dumas, Voltaire, Flaubert, Balzac, Molière, Pushkin, Dostoievski, Tolstoi, Tchekhov, Lérmontov, Shakespeare, Russel, Bacon, Austen, Goethe, Schiller, Mann, Hesse, entre muitos outros cuja referência exaustiva não se justifica neste trabalho. Qualquer editora ou colecção que pretenda fazer um retrato, abarcando os principais nomes da literatura, não pode dispensar os nomes atrás mencionados e vários outros, demonstrativos da literatura destes países. São sem dúvida autores incontornáveis e que certamente reúnem unanimidade quando se tenta fazer um panteão da literatura europeia. A colecção que agora analiso não os subestimou e foram todos editados.
Incontornáveis também são os clássicos greco-latinos de Homero, Platão, Aristóteles, Esopo e Ovídio. Por se tratarem dos autores das primeiras obras de que existe memória, estes figurarão certamente no panteão da literatura europeia. Na colecção em análise os autores referidos figuram, alguns deles com mais de uma obra, como é o caso de Homero, com a Ilíada e a Odisseia.
Além destes, considero que existem outros incontornáveis, nomeadamente e sem qualquer ordem, Hans Christian Andersen, Kafka, Cervantes, Lorca, Dante, irmãos Grimm, Boccaccio, Moravia, Erasmo. Não ficaria bem sem referir que Camões, Gil Vicente, Fernão Mendes Pinto, Pessoa, Eça de Queirós, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, são alguns dos nomes que considero terem lugar num panteão da literatura europeia, à semelhança do editor da colecção em análise, que todos publicou.
A colecção livros de bolso Europa-América inclui ainda outros nomes, cuja representatividade e importância no contexto da literatura europeia desconhecia, nomeadamente Szent-Györgyi, Yolanda Földes, Henry Sienkiewicz, Vassilis Vassilikos, Kedros, August Strindberg, Stefan Zweig, Jaroslav Hasek, Sven Hassel, Ibáñez, Collodi, Silone, e Vittorini.
Concluindo, a literatura europeia é muito diversa, com muitos factores que podem induzir discussões sobre este ou aquele autor e o seu valor. Tal como a Europa, continente historicamente em constante convulsão, a literatura europeia é uma miscelânea de onde é difícil fazer surgir um fio condutor ou um denominador comum. Na minha opinião ele existirá sendo a diversidade a sua grande riqueza.

André Bazin vs Christian Metz

André Bazin foi um purista do realismo, rejeitando montagens, efeitos especiais e quaisquer outros meios que no seu entender distorciam a realidade. Para Bazin, como referiu Éric Rohmer, “o que importa (…) não é, portanto, a semelhança entre o cinema e a pintura, mas as suas diferenças”, ou seja, a representação da realidade, idealmente, não deve conter distorções.
Se um pintor exprime na tela a sua visão do mundo de forma livre e pessoal, um filme, para Bazin, deve mostrar a realidade sem intrusões. A própria montagem do filme não deve ter “truques” e os cenários devem ser reais.
Para Bazin a câmara é o instrumento para captar a realidade, devendo o realizador ser quase invisível, revelando passivamente o mundo natural. Em última análise a teoria estética do realismo revela uma fé inabalável na Natureza e na sua força e beleza intrínsecas.
Como nos refere Andrew Tudor, Bazin e também Kracauer caíram no erro de rejeitar a subjectividade estética inerente ao cinema enquanto arte. Levaram a argumentação ao extremo de considerar boa qualquer produção pelo simples facto de cumprir este ou aquele pressuposto, indo com esta teoria contra a subjectividade estética.
Bazin apresenta-se assim adepto do neo-realismo italiano e das produções documentais. Nomes como Rosselini, de Sica e Visconti são o expoente máximo desta expressão estética.
Em minha opinião esta forma de análise cinematográfica apresenta-se muito redutora da magia que se espera do cinema. Os próprios teóricos desta estética ter-se-ão dado conta dos limites demasiado apertados e, como refere Andrew Tudor, terão gostado apaixonadamente de filmes que resultaram do trilhar de outros caminhos.
Em contraponto Christian Metz defende a aplicação da semiótica, possibilitando a análise científica das artes, nomeadamente o cinema. A semiótica propõe-nos a análise das linguagens do cinema. Neste contexto linguagem é diferente de língua ou de som, ou seja, cinema mudo não é sinónimo de que não possui linguagem.
Uma linguagem é um sistema semiótico de comunicação. Esta teoria transposta para o cinema revela-nos a possibilidade de analisar o que o realizador nos quer transmitir. Em sentido contrário ao realismo, que nos mostra o mundo e a comunicação é a própria imagem do mundo, neste caso o realizador, os actores, os próprios cenários têm o objectivo de nos transmitir algo.
Sob este ponto de vista teórico Christian Metz propõe-se a analisar cientificamente o cinema. A questão que se coloca nesta fase, na minha opinião, é que para apreender a mensagem seria necessário conhecer a linguagem. Ora, na minha opinião, isto não é totalmente correcto. Como qualquer forma de arte, o cinema tem o seu lado subjectivo e como sabemos, o método científico, tem alguma dificuldade em lidar com a subjectividade.
É para mim indiscutível que um realizador tem por objectivo transmitir-nos o seu ponto de vista sobre determinado tema. Considero contudo muito discutível que a mesma imagem transmita a mesma sensação a todos quantos a vêem.
Ao nível puramente teórico poderá até ser possível analisar de forma objectiva o conjunto de linguagens de um filme mas é certo que o mesmo filme poderá suscitar reacções muito diversas nos seus espectadores.
Como referi atrás, na minha opinião, espera-se magia do cinema. Se por um lado não se lhe podem impor limites como a estética realista (na sua forma purista) o faz, também o seu lado subjectivo se torna difícil de analisar cientificamente.
Na minha opinião, apesar de reconhecer que uma análise científica não será o mais adequado ao cinema, considero ser a proposta de Christian Metz a mais útil e fecunda. Baseio esta opinião no facto de a teoria estética de Bazin ser redutora em muitos aspectos. O cinema pode tomar muitas formas que não a realista, havendo também inúmeras formas de transmitir a mesma mensagem. É essa a riqueza e a magia do cinema, a sua versatilidade.  

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O livro

Publicar um livro não implica que ele tenha alguma utilidade, que venha trazer algo de novo a alguma área do conhecimento ou que, no mínimo, seja divertido ou interessante. Concordo com Fonseca quando este refere que existem livros inúteis e estúpidos. Concordo igualmente com Ortega quando refere que há livros que, além de estúpidos e inúteis, podem também ser perniciosos. Ortega alerta também para uma certa tendência de “endeusar” os livros. Um livro não é necessariamente algo de bom em que se pode confiar cegamente. Um livro, genericamente, é um instrumento para transmitir informações e conhecimentos mas nada nos garante que os seus autores dominem os assuntos sobre os quais escrevem e a sua idoneidade. Há de facto publicações que por serem mal escritas, desinteressantes, erróneas, tendenciosas, etc., não trazem qualquer valor a uma colecção ou a quem as lê, pelo contrário, podem até induzir em erros e lapsos. Ainda que a estupidez ou inutilidade de um livro possa ser algo muito subjectivo e o que para alguns é inútil pode para outros ter muita utilidade, essa subjectividade desaparece perante muitas coisas que infelizmente, na minha opinião, se publicam. Não sendo possível evitar que surjam estas publicações, exige-se ao profissional de biblioteconomia uma selecção criteriosa para que as colecções fiquem livres desse tipo de publicações. É assim necessário que o bibliotecário esteja preparado para distinguir o útil do inútil para que a sua colecção seja uma referência e se mantenha livre de “más publicações”. Importa aqui também distinguir a utilidade objectiva e subjectiva das publicações, ou seja, há livros que são objectivamente inúteis mas há livros que são inúteis apenas em determinados contextos, podendo não ser indicados para uma determinada biblioteca “genérica”, por não terem procura ou interesse, e muito necessários a outra biblioteca de cariz mais especializado.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Questão Coimbrã

Um grupo de jovens estudantes de Coimbra despoletou uma manifestação que viria a ser conhecida como “questão coimbrã”. A “questão coimbrã” traduz-se no assumir, por parte de uma elite intelectual, da necessidade de ruptura com o isolamento político, social e cultural que se vivia em Portugal. Estes jovens intelectuais “bebiam” das ideias liberais que vinham modificando a face do centro da Europa e procuraram ser o motor de uma revolução, não só a nível cultural, como também a nível político e social. A nível estritamente da estética artística, assiste-se ao confronto entre as ideias ultra-românticas, plenas de forma e parcas em consciência e o realismo com consciência social. Defendiam estes jovens que o excessivo academismo e formalismos da produção literária eram o espelho de uma sociedade hipócrita.
Muito para além de uma revolução na estética, esta geração foi responsável por uma revolução na cultura, lançando as sementes da discussão, rompendo com o “status quo” instalado e com um “castiço” isolacionismo português. Portugal teimava em viver à margem dos grandes movimentos culturais europeus. A “questão coimbrã” veio, pelo menos, lançar a ideia de que essa participação era possível e benéfica, para além de quebrar com a monotonia.
Imbuídos deste espírito, os intelectuais da “geração de 70” levaram a “questão coimbrã” para as conferências do casino. O objectivo das conferências procurava de certa forma alargar o espírito da “questão coimbrã” à sociedade em geral. Os poderes instalados impediram a realização de todas as conferências, demonstrando com essa proibição a importância das mesmas. Se não fosse grande a sua importância, nada havia a temer.
Em conclusão, a “questão coimbrã” e as conferências do casino representaram para a cultura portuguesa uma verdadeira revolução, trazendo à discussão questões “perigosas” como o republicanismo, a democracia e o socialismo, abalando os alicerces tradicionais da sociedade. Muito mais do que uma discussão sobre questões estéticas entre duas elites intelectuais, foram abertas as portas de Portugal a influências europeias, operando grandes mudanças nos costumes e lançando as sementes para o surgimento de novas doutrinas e de uma renovada cultura nacional. De forma muito pessoal, defino a “geração de 70” como os primeiros rebeldes portugueses ou não fosse grande parte deles acabar nos “vencidos da vida”.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Memória Familiar

A “história constitui-se apenas se a olharmos e, para a olharmos, devemos estar excluídos dela”1. Os acontecimentos históricos não são vividos. Em oposição a memória colectiva é revivida a cada momento que passa.
Para a existência de uma memória colectiva é essencial a existência de núcleos familiares que através da criação de memórias familiares, constroem uma identidade cultural. 
Pierre Bourdieu refere que cada chefe de família que se constitui retratista torna-se num historiógrafo. Cada álbum de família é um retrato fiel de um período, de uma época, de uma sociedade.
Teria sido possível reconstruir o centro de Varsóvia sem o recurso à fotografia? A cidade reconstruída só é monumento por ser uma réplica da destruída. A fotografia faz reviver o passado, avalizando a história, retratando monumentos, com uma certeza que nenhum escrito pode dar.
Às fotografias de família juntam-se os postais comprados, criando assim um verdadeiro “arquivo” da memória familiar que evoca momentos que merecem ser recordados e transmitidos às gerações vindouras.
À semelhança dos gabinetes de curiosidades cada família é também um repositório de colecções de objectos da mais variada ordem, móveis, cartas, diários, documentos, etc. Estes objectos, parte de um passado, são bens com história, embrionários dos actuais museus.
Desde os vulgares objectos do dia-a-dia a colecções interessa preservar este espólio, fundamental para o entendimento da identidade cultural.
Resta ainda mencionar as tradições familiares, os acontecimentos, as datas, as histórias dos avós que fazem a ponte entre as gerações, que preservam a memória do passado, mantendo, renovando e transmitindo a identidade familiar.
Considerando assim a inserção das famílias numa camada da sociedade mais ampla e que comunga do mesmo modo de vivência familiar, surge a memória colectiva, fruto de intrincadas interacções.
Das famílias surge assim o fundamento moral da sociedade. Este património familiar, transmitido de geração em geração importa ser preservado.
A preservação deste património é levada a cabo de diversas formas e com diferentes métodos. Consideramos a transmissão oral entre gerações como uma dessas formas, a memória-mensagem. Uma matriarca ou um patriarca de uma família reúnem em si a memória de várias gerações, que vão transmitindo.
Os álbuns de família são outra forma de preservação da memória familiar. As fotografias e os postais que retratam uma época ou um acontecimento tornam-se na sua memória visível.
Os objectos recolhidos e guardados e as caixas de documentos completam esta memória familiar sem a qual não seria possível a existência de um património cultural.
O património cultural, enquanto conjunto de bens materiais e imateriais com valor próprio relevante para a identidade de um povo surge, em larga medida, da preservação da memória familiar. Sem esta preservação certamente seria impossível manter viva a identidade dos povos e passar às gerações vindouras a herança do passado.
Das bases de onde surge o património, surge também o património histórico que parte as barreiras familiares e adquire uma vocação universal e transversal a um povo.
Saliento aqui o papel da DGA/TT na preservação do seu arquivo e do seu fundo, no apoio a outros arquivos e na divulgação daquilo que é, no fundo, a nossa identidade cultural.
Quem como eu nasceu e cresceu no seio de uma família numerosa e num meio social relativamente pequeno entende bem esta problemática. As famílias enquanto unidade social transmitem valores, tradições e bens aos seus elementos mais novos, o património e a memória de que se falou. Mas as famílias não são unidades estanque, ou seja, interagem entre si trocando experiencias, tradições e ampliando a memória.
Esta partilha e esta dinâmica fazem a nossa memória colectiva uma “coisa viva”. Na minha opinião, esta dinâmica é também uma forma de preservação da nossa memória colectiva.
Actualmente, com o surgimento da “sociedade da informação”, a nossa identidade cultural ganhou novas formas de preservação e divulgação, ficando também sujeita a novas influências, a chamada globalização.
No meu entender, a memória familiar ganha, neste âmbito, importância reforçada. Não entendo a globalização como um problema ou uma coisa má, mas acredito que a preservação daquilo que é mais original e único em cada sociedade ou povo ocorrerá no âmbito mais restrito das famílias.

A Ditadura da Tecnologia

A internet constitui, ainda hoje, uma revolução a vários níveis. Com o seu aparecimento e posterior massificação, a difusão da informação tornou-se mais rápida, mais acessível a todos e em maior quantidade. O surgimento de bibliotecas digitais acentuou ainda mais esta situação resultando em grande alteração dos meios disponíveis de aprendizagem.
Se há alguns anos atrás os meios de divulgação da informação estavam restritos a certos sítios (universidades, bibliotecas, etc.), hoje em dia a informação está à distância de um clique, favorecendo quem aprende formalmente e profissionalmente e muito mais ainda quem aprende informalmente, sem grandes custos. São igualmente eliminadas as necessidades de deslocações.
Se há pouco tempo atrás nem todos tinham acesso à informação, hoje em dia ela está democratizada, tornando a aprendizagem igualmente mais democrática e acessível.
Estes factores permitem que o aprendente que antigamente se limitava à informação disponível, que poderia se escassa, tenha hoje em dia, por via da internet e das bibliotecas digitais, acesso a muito mais dados sobre determinado assunto.
No que diz respeito à difusão de novos trabalhos, fonte de novos saberes, estes são mais rapidamente difundidos, ficando à disposição de todos, permitindo uma rápida evolução das matérias.
Resumindo, as matérias tornam-se mais acessíveis ao aprendente que pode, desta forma, melhorar a qualidade do seu trabalho, diversificando as fontes de informação.
A grande diversificação das fontes de informação pode originar um excesso de informação, sendo por vezes difícil ao estudante distinguir o que é realmente importante do que é meramente acessório.
Por outro lado aquilo a que se chama a “ditadura” da tecnologia pode contribuir para criar clivagens entre quem tem e quem não tem acesso a tecnologia. Esta questão não me parece muito relevante até porque hoje em dia encontram-se muitos locais de acesso gratuito à internet que permitem a utilização de todos. Talvez aqui a questão seja a de dominar ou não dominar as tecnologias informáticas, situação que, na minha opinião, não fará sentido a curto prazo dado que a informática começa a ser ensinada desde muito cedo.
A grande questão decorre, na minha opinião, da passividade dos estudantes num modelo muito baseado na internet. Estes podem ver criadas novas dificuldades pela facilidade em excesso que pode levar a um desperdício de tempo sem aquisição de conhecimentos. 
Partindo desta democratização dos conhecimentos adquiridos de forma informal, auto-didacta, a acreditação desses conhecimentos coloca-se de forma muito expressiva.
Pode definir-se acreditação como sendo a avalização formal de conhecimentos adquiridos por via informal. Este reconhecimento obedece a critérios objectivos e previamente definidos.
Um exemplo de acreditação é o exame ad hoc de acesso ao ensino superior. O referido exame reconhece competência para a frequência de ensino superior a pessoas que não estão formalmente habilitadas mas que de alguma forma adquiriram conhecimentos para tal.
O número de aprendentes informais aumenta na proporção da informação disponível e coloca-se o problema da não existência de entidades acreditadoras. Existem na nossa sociedade entidades que reconhecem competências adquiridas pela experiencia mas no que toca a conhecimentos adquiridos por aprendizagem informal, não há entidades acreditadoras.
Vou aqui referir um exemplo que me parece de certa forma caricato: a Wikiversidade. Esta instituição virtual fornece na internet curricula de cursos superiores de todas as áreas, com planos de estudo e tudo mais que uma universidade formal fornece, à excepção de aulas e avaliação, sem as quais não há grau académico.
A semelhança deste caso, muitos outros sites fornecem informação, acessível a todos, que depois não avaliam. Nesta situação prevê-se que no futuro surjam entidades que acreditem os conhecimentos adquiridos informalmente. As universidades formais podem vir a assumir esse papel. O mercado de trabalho poderá também vir a desempenhar esse papel embora, na minha opinião, as empresas não estejam preparadas para abdicar dos diplomas dos seus colaboradores ainda que estes tenham as competências necessárias.
Voltando à questão da “tirania” ou “ditadura” da tecnologia, considero que no ensino formal e profissional esta questão não se coloca hoje em dia.
Julgo que todos os estabelecimentos de ensino, do básico ao superior, estão actualmente dotados de tecnologia de internet que permite aproveitar todos os recursos disponíveis.
A nível particular e ao nível da aprendizagem informal podem existir situações de difícil acesso particular a tecnologias, no entanto, existem várias possibilidades de acesso público gratuito a tecnologias e equipamentos que colmatam eventuais dificuldades pessoais.
A questão coloca-se fortemente a nível internacional, ou seja, países em vias de desenvolvimento ficarão limitados nesta corrida, agravando o já grande fosso entre os países industrializados e países do terceiro mundo.

Bibliotecas vs Bibliotecas Digitais

A invenção e a posterior massificação da internet constituem ainda hoje uma revolução. A difusão da informação tornou-se mais rápida, mais acessível a todos e em maior quantidade. O surgimento de bibliotecas digitais, resultado da evolução técnica, acentuou ainda mais esta situação resultando em grande alteração dos meios disponíveis de aprendizagem, como vimos já anteriormente.
Após a invenção da escrita surgiram as primeiras bibliotecas e a partir deste ponto iniciou-se uma história cheia de mudanças. Na parte mais recente desta história, as bibliotecas digitais estão indissociavelmente ligadas à evolução tecnológica dos métodos de tratamento da informação e dos métodos de difusão desta.
A propósito da definição de biblioteca digital podem desde logo apresentar-se várias considerações. Biblioteca digital pode ser a simples digitalização das tradicionais colecções ou ser muito mais do que isso, ou seja, um conjunto de serviços de informação que vão além das colecções digitalizadas disponíveis em diferentes suportes técnicos, bem como o acesso em linha a outras fontes de informação ou bibliográficas. Pode-se ainda falar em bibliotecas virtuais. Neste caso a biblioteca aparece como algo sem infraestrutura física.
Bibliotecas digitais, virtuais ou electrónicas têm em comum o facto de facilitarem o acesso à informação, permitirem funcionamento 24 horas/dia, permitirem o acesso a distância e de vários utilizadores ao mesmo recurso em simultâneo.
As diferenças entre bibliotecas tradicionais e digitais são várias, começando logo pelo próprio conceito. Com as bibliotecas digitais deixou de se entender estes espaços como locais de armazenamento e catalogação de documentos em papel. Neste novo conceito de biblioteca, estamos perante um espaço com menos papel e com muitos outros suportes de informação, catálogos em linha, computadores e outras inovações tecnológicas onde o utilizador pode também chegar de forma remota.
O espaço físico é visto de outra forma, ou seja, a necessidade de espaço para arquivo do acervo da biblioteca é substituída pela necessidade de espaço para novas tecnologias, nomeadamente computadores, e automatismos.
Ao nível das colecções, face à interligação possível entre várias bibliotecas, o que contará, na realidade das bibliotecas virtuais, não será a quantidade mas sim as possibilidades de acesso oferecidas. Não justificará, nos dias de hoje e cada vez mais no futuro, que várias bibliotecas tenham acervos repetidos. Na minha opinião, esta situação vai conduzir à especialização das bibliotecas por temas.
O desenvolvimento das colecções terá de resolver as necessidades dos seus utilizadores de forma mais imediata, sob pena de outros serviços o fazerem primeiro. Também aqui me parece que a especialização desempenhará um papel importante. De que serve ter o mesmo acervo que outras bibliotecas? Será mais lógico cada biblioteca se especializar num ou mais temas e aumentar a sua colecção mais rapidamente.
Do ponto de vista dos profissionais as bibliotecas digitais apresentam uma série de novos desafios a começar pelo aumento de formatos de informação e pela dispersão que estes apresentam. O trabalho dos profissionais no acervo deixa de ser local passando estes a necessitar de conhecimentos que lhes permitam localizar e disponibilizar a informação.
Do ponto de vista dos utilizadores as bibliotecas digitais apresentam grandes vantagens relativamente às bibliotecas tradicionais. Desde logo a possibilidade de consulta do acervo de forma remota. A deslocação ao espaço físico deixa de ser obrigatória, permitindo também a consulta de documentos de virtualmente qualquer biblioteca, independentemente da sua localização geográfica.
A catalogação nas bibliotecas digitais é também feita de forma a facilitar a procura do utilizador, ou seja, a procura é mais objectiva graças à utilização de interfaces mais eficientes. De referir também que deixa de existir limite à consulta de um documento, ou seja, tratando-se de um documento digital, o acesso é possível a mais do que um utilizador em simultâneo    
De referir ainda a possibilidade de consulta sem limitação a um determinado espaço físico, ou seja, pesquisa-se num “universo global” de bibliotecas com inúmeras possibilidades de resultados.
A criação, ou melhor, a evolução de uma biblioteca convencional para uma biblioteca digital pode ser condicionada por factores físicos. A esmagadora maioria dos actuais edifícios de bibliotecas não está preparado para receber os equipamentos necessários para operacionalizar uma biblioteca digital, sendo necessárias intervenções importantes.
A preservação é apresentada como outra dificuldade das bibliotecas digitais quer pela relativamente curta durabilidade dos suportes de armazenamento da informação quer pela constante evolução dos sistemas informáticos que rapidamente desactualizam os existentes.
A questão dos direitos de autor ganha grande importância nas bibliotecas digitais. Como impedir a generalização das cópias e como garantir a integridade das obras é um problema que se coloca às bibliotecas digitais e que continua sem resposta capaz.
A redução de custos não tem necessariamente que ser considerada uma limitação. Hoje em dia é possível aumentar o acervo de uma biblioteca sem custos, nomeadamente através da partilha de informação com outras bibliotecas. Antigamente as bibliotecas cresciam através da compra de novas publicações. Hoje em dia tal não é necessário. Por exemplo, as bibliotecas podem acordar partilhar entre si as novas aquisições, dividindo as despesas e, no final, dispondo todos das obras digitais nas respectivas colecções, ou, partilhando e complementando os seus acervos.
Por outro lado convém mencionar que a tecnologia é cara e como já referi, a necessidade de actualização é constante. Desta forma, a redução de custos pode ser considerada uma dificuldade.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Somos realmente muito estranhos

Portugal é um país estranho. Para além de grande parte do país achar que o máximo é ser espanhol, deixamos que nos espezinhem e a única coisa que nos faz reagir é o futebol.
A nossa história está recheada de gente no mínimo estranha: um rei que deu uma sova na mãe, um tipo que ficou entalado no portão de um castelo, uma padeira que tinha 6 dedos em cada mão e desancou uns tantos espanhóis, um rei que aparece nas manhãs de nevoeiro, entre muitos outros.
Também somos um povo, como disse Eduardo Lourenço, que me perdoe se não estou a ser exacto, “pobre com a mania que é rico”. Por causa desta mania parva, de vez em quando temos que nos zangar, ou seja, quando as coisas se tornam insustentáveis e só se vai lá com revoluções. Somos como aquelas pessoas que parece que não se incomodam com nada e de repente rebentam.
Em França, porque um governo se lembrou de aumentar a idade da reforma, anda tudo em pé de guerra. Na Grécia as greves sucedem-se e até já tentaram incendiar o parlamento. Em Portugal roubam-nos descaradamente e… nada. Somos realmente muito estranhos.
Andam há anos a enrolar-nos com novas oportunidades, (burros que nem portas mas todos com o 12.º ano) magalhães (sucata para entreter a miudagem) e todo o tipo de coisas como os planos tecnológicos, auto-estradas aos magotes, TGV, etc., etc.
Temos duas centrais sindicais que perante mais um pacote de austeridade, o terceiro de uma série de sabe-se lá quantos, convoca uma greve geral para quase dois meses depois. Será que o sindicalismo só serve para os sindicalistas se baldarem ao trabalho ou será que os partidos os controlam assim tão bem? Somos realmente muito estranhos.
Será que estamos quase a rebentar? Será que vamos unir-nos e dar a volta a isto? Será que vamos pôr na ordem quem anda há anos a mentir-nos?

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Causas

Uma vida não tem preço. 33 vidas são certamente merecedoras de todos os esforços possíveis para que se preservem. Foi isso mesmo que o Chile nos mostrou. A preservação da vida deve ser o mais alto valor, defendido até ao extremo.
De toda esta situação ocorrida no Chile, devemos reter o imenso valor que foi dado às vidas. Em muitos outros locais do mundo não se sabe como seria…
Mas do Chile veio outro ensinamento, na minha opinião merecedor de uma análise atenta para que possa servir de exemplo a Portugal. Falo da união de um povo, de um país em torno de uma causa.
O salvamento dos mineiros teve também o mérito de nos mostrar as mais variadas demonstrações de solidariedade entre pessoas, patriotismo, alegria, emoção. Todo o Chile estava unido em torno dos mineiros, em torno de uma causa.
Não sou conhecedor da realidade chilena para saber se é ou não um país com causas. Sou contudo conhecedor o suficiente da realidade portuguesa para saber que somos um país sem causas.
Portugal é um país onde se vive só por viver. Não nos interessa muito saber para onde vamos, se vamos por um lado ou se vamos por outro.
Perante um atentado aos nossos rendimentos, o que fazemos? Nada.
O país está a dirigir-se para o abismo, o que fazemos? Nada.
Na França sucedem-se greves, na Grécia sucedem-se manifestações, por todo lado a contestação é grande. E nós o que fazemos? Nada.
Esperamos impávidos e serenos que o rumo não seja muito mau, porque dias melhores virão.
Não temos causas, não temos objectivos enquanto nação.
É urgente mudar este estado de coisas porque afinal as vidas não têm preço e uma vida sem objectivos é uma morte anunciada.