terça-feira, 30 de novembro de 2010

A Questão Coimbrã

Um grupo de jovens estudantes de Coimbra despoletou uma manifestação que viria a ser conhecida como “questão coimbrã”. A “questão coimbrã” traduz-se no assumir, por parte de uma elite intelectual, da necessidade de ruptura com o isolamento político, social e cultural que se vivia em Portugal. Estes jovens intelectuais “bebiam” das ideias liberais que vinham modificando a face do centro da Europa e procuraram ser o motor de uma revolução, não só a nível cultural, como também a nível político e social. A nível estritamente da estética artística, assiste-se ao confronto entre as ideias ultra-românticas, plenas de forma e parcas em consciência e o realismo com consciência social. Defendiam estes jovens que o excessivo academismo e formalismos da produção literária eram o espelho de uma sociedade hipócrita.
Muito para além de uma revolução na estética, esta geração foi responsável por uma revolução na cultura, lançando as sementes da discussão, rompendo com o “status quo” instalado e com um “castiço” isolacionismo português. Portugal teimava em viver à margem dos grandes movimentos culturais europeus. A “questão coimbrã” veio, pelo menos, lançar a ideia de que essa participação era possível e benéfica, para além de quebrar com a monotonia.
Imbuídos deste espírito, os intelectuais da “geração de 70” levaram a “questão coimbrã” para as conferências do casino. O objectivo das conferências procurava de certa forma alargar o espírito da “questão coimbrã” à sociedade em geral. Os poderes instalados impediram a realização de todas as conferências, demonstrando com essa proibição a importância das mesmas. Se não fosse grande a sua importância, nada havia a temer.
Em conclusão, a “questão coimbrã” e as conferências do casino representaram para a cultura portuguesa uma verdadeira revolução, trazendo à discussão questões “perigosas” como o republicanismo, a democracia e o socialismo, abalando os alicerces tradicionais da sociedade. Muito mais do que uma discussão sobre questões estéticas entre duas elites intelectuais, foram abertas as portas de Portugal a influências europeias, operando grandes mudanças nos costumes e lançando as sementes para o surgimento de novas doutrinas e de uma renovada cultura nacional. De forma muito pessoal, defino a “geração de 70” como os primeiros rebeldes portugueses ou não fosse grande parte deles acabar nos “vencidos da vida”.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Memória Familiar

A “história constitui-se apenas se a olharmos e, para a olharmos, devemos estar excluídos dela”1. Os acontecimentos históricos não são vividos. Em oposição a memória colectiva é revivida a cada momento que passa.
Para a existência de uma memória colectiva é essencial a existência de núcleos familiares que através da criação de memórias familiares, constroem uma identidade cultural. 
Pierre Bourdieu refere que cada chefe de família que se constitui retratista torna-se num historiógrafo. Cada álbum de família é um retrato fiel de um período, de uma época, de uma sociedade.
Teria sido possível reconstruir o centro de Varsóvia sem o recurso à fotografia? A cidade reconstruída só é monumento por ser uma réplica da destruída. A fotografia faz reviver o passado, avalizando a história, retratando monumentos, com uma certeza que nenhum escrito pode dar.
Às fotografias de família juntam-se os postais comprados, criando assim um verdadeiro “arquivo” da memória familiar que evoca momentos que merecem ser recordados e transmitidos às gerações vindouras.
À semelhança dos gabinetes de curiosidades cada família é também um repositório de colecções de objectos da mais variada ordem, móveis, cartas, diários, documentos, etc. Estes objectos, parte de um passado, são bens com história, embrionários dos actuais museus.
Desde os vulgares objectos do dia-a-dia a colecções interessa preservar este espólio, fundamental para o entendimento da identidade cultural.
Resta ainda mencionar as tradições familiares, os acontecimentos, as datas, as histórias dos avós que fazem a ponte entre as gerações, que preservam a memória do passado, mantendo, renovando e transmitindo a identidade familiar.
Considerando assim a inserção das famílias numa camada da sociedade mais ampla e que comunga do mesmo modo de vivência familiar, surge a memória colectiva, fruto de intrincadas interacções.
Das famílias surge assim o fundamento moral da sociedade. Este património familiar, transmitido de geração em geração importa ser preservado.
A preservação deste património é levada a cabo de diversas formas e com diferentes métodos. Consideramos a transmissão oral entre gerações como uma dessas formas, a memória-mensagem. Uma matriarca ou um patriarca de uma família reúnem em si a memória de várias gerações, que vão transmitindo.
Os álbuns de família são outra forma de preservação da memória familiar. As fotografias e os postais que retratam uma época ou um acontecimento tornam-se na sua memória visível.
Os objectos recolhidos e guardados e as caixas de documentos completam esta memória familiar sem a qual não seria possível a existência de um património cultural.
O património cultural, enquanto conjunto de bens materiais e imateriais com valor próprio relevante para a identidade de um povo surge, em larga medida, da preservação da memória familiar. Sem esta preservação certamente seria impossível manter viva a identidade dos povos e passar às gerações vindouras a herança do passado.
Das bases de onde surge o património, surge também o património histórico que parte as barreiras familiares e adquire uma vocação universal e transversal a um povo.
Saliento aqui o papel da DGA/TT na preservação do seu arquivo e do seu fundo, no apoio a outros arquivos e na divulgação daquilo que é, no fundo, a nossa identidade cultural.
Quem como eu nasceu e cresceu no seio de uma família numerosa e num meio social relativamente pequeno entende bem esta problemática. As famílias enquanto unidade social transmitem valores, tradições e bens aos seus elementos mais novos, o património e a memória de que se falou. Mas as famílias não são unidades estanque, ou seja, interagem entre si trocando experiencias, tradições e ampliando a memória.
Esta partilha e esta dinâmica fazem a nossa memória colectiva uma “coisa viva”. Na minha opinião, esta dinâmica é também uma forma de preservação da nossa memória colectiva.
Actualmente, com o surgimento da “sociedade da informação”, a nossa identidade cultural ganhou novas formas de preservação e divulgação, ficando também sujeita a novas influências, a chamada globalização.
No meu entender, a memória familiar ganha, neste âmbito, importância reforçada. Não entendo a globalização como um problema ou uma coisa má, mas acredito que a preservação daquilo que é mais original e único em cada sociedade ou povo ocorrerá no âmbito mais restrito das famílias.

A Ditadura da Tecnologia

A internet constitui, ainda hoje, uma revolução a vários níveis. Com o seu aparecimento e posterior massificação, a difusão da informação tornou-se mais rápida, mais acessível a todos e em maior quantidade. O surgimento de bibliotecas digitais acentuou ainda mais esta situação resultando em grande alteração dos meios disponíveis de aprendizagem.
Se há alguns anos atrás os meios de divulgação da informação estavam restritos a certos sítios (universidades, bibliotecas, etc.), hoje em dia a informação está à distância de um clique, favorecendo quem aprende formalmente e profissionalmente e muito mais ainda quem aprende informalmente, sem grandes custos. São igualmente eliminadas as necessidades de deslocações.
Se há pouco tempo atrás nem todos tinham acesso à informação, hoje em dia ela está democratizada, tornando a aprendizagem igualmente mais democrática e acessível.
Estes factores permitem que o aprendente que antigamente se limitava à informação disponível, que poderia se escassa, tenha hoje em dia, por via da internet e das bibliotecas digitais, acesso a muito mais dados sobre determinado assunto.
No que diz respeito à difusão de novos trabalhos, fonte de novos saberes, estes são mais rapidamente difundidos, ficando à disposição de todos, permitindo uma rápida evolução das matérias.
Resumindo, as matérias tornam-se mais acessíveis ao aprendente que pode, desta forma, melhorar a qualidade do seu trabalho, diversificando as fontes de informação.
A grande diversificação das fontes de informação pode originar um excesso de informação, sendo por vezes difícil ao estudante distinguir o que é realmente importante do que é meramente acessório.
Por outro lado aquilo a que se chama a “ditadura” da tecnologia pode contribuir para criar clivagens entre quem tem e quem não tem acesso a tecnologia. Esta questão não me parece muito relevante até porque hoje em dia encontram-se muitos locais de acesso gratuito à internet que permitem a utilização de todos. Talvez aqui a questão seja a de dominar ou não dominar as tecnologias informáticas, situação que, na minha opinião, não fará sentido a curto prazo dado que a informática começa a ser ensinada desde muito cedo.
A grande questão decorre, na minha opinião, da passividade dos estudantes num modelo muito baseado na internet. Estes podem ver criadas novas dificuldades pela facilidade em excesso que pode levar a um desperdício de tempo sem aquisição de conhecimentos. 
Partindo desta democratização dos conhecimentos adquiridos de forma informal, auto-didacta, a acreditação desses conhecimentos coloca-se de forma muito expressiva.
Pode definir-se acreditação como sendo a avalização formal de conhecimentos adquiridos por via informal. Este reconhecimento obedece a critérios objectivos e previamente definidos.
Um exemplo de acreditação é o exame ad hoc de acesso ao ensino superior. O referido exame reconhece competência para a frequência de ensino superior a pessoas que não estão formalmente habilitadas mas que de alguma forma adquiriram conhecimentos para tal.
O número de aprendentes informais aumenta na proporção da informação disponível e coloca-se o problema da não existência de entidades acreditadoras. Existem na nossa sociedade entidades que reconhecem competências adquiridas pela experiencia mas no que toca a conhecimentos adquiridos por aprendizagem informal, não há entidades acreditadoras.
Vou aqui referir um exemplo que me parece de certa forma caricato: a Wikiversidade. Esta instituição virtual fornece na internet curricula de cursos superiores de todas as áreas, com planos de estudo e tudo mais que uma universidade formal fornece, à excepção de aulas e avaliação, sem as quais não há grau académico.
A semelhança deste caso, muitos outros sites fornecem informação, acessível a todos, que depois não avaliam. Nesta situação prevê-se que no futuro surjam entidades que acreditem os conhecimentos adquiridos informalmente. As universidades formais podem vir a assumir esse papel. O mercado de trabalho poderá também vir a desempenhar esse papel embora, na minha opinião, as empresas não estejam preparadas para abdicar dos diplomas dos seus colaboradores ainda que estes tenham as competências necessárias.
Voltando à questão da “tirania” ou “ditadura” da tecnologia, considero que no ensino formal e profissional esta questão não se coloca hoje em dia.
Julgo que todos os estabelecimentos de ensino, do básico ao superior, estão actualmente dotados de tecnologia de internet que permite aproveitar todos os recursos disponíveis.
A nível particular e ao nível da aprendizagem informal podem existir situações de difícil acesso particular a tecnologias, no entanto, existem várias possibilidades de acesso público gratuito a tecnologias e equipamentos que colmatam eventuais dificuldades pessoais.
A questão coloca-se fortemente a nível internacional, ou seja, países em vias de desenvolvimento ficarão limitados nesta corrida, agravando o já grande fosso entre os países industrializados e países do terceiro mundo.

Bibliotecas vs Bibliotecas Digitais

A invenção e a posterior massificação da internet constituem ainda hoje uma revolução. A difusão da informação tornou-se mais rápida, mais acessível a todos e em maior quantidade. O surgimento de bibliotecas digitais, resultado da evolução técnica, acentuou ainda mais esta situação resultando em grande alteração dos meios disponíveis de aprendizagem, como vimos já anteriormente.
Após a invenção da escrita surgiram as primeiras bibliotecas e a partir deste ponto iniciou-se uma história cheia de mudanças. Na parte mais recente desta história, as bibliotecas digitais estão indissociavelmente ligadas à evolução tecnológica dos métodos de tratamento da informação e dos métodos de difusão desta.
A propósito da definição de biblioteca digital podem desde logo apresentar-se várias considerações. Biblioteca digital pode ser a simples digitalização das tradicionais colecções ou ser muito mais do que isso, ou seja, um conjunto de serviços de informação que vão além das colecções digitalizadas disponíveis em diferentes suportes técnicos, bem como o acesso em linha a outras fontes de informação ou bibliográficas. Pode-se ainda falar em bibliotecas virtuais. Neste caso a biblioteca aparece como algo sem infraestrutura física.
Bibliotecas digitais, virtuais ou electrónicas têm em comum o facto de facilitarem o acesso à informação, permitirem funcionamento 24 horas/dia, permitirem o acesso a distância e de vários utilizadores ao mesmo recurso em simultâneo.
As diferenças entre bibliotecas tradicionais e digitais são várias, começando logo pelo próprio conceito. Com as bibliotecas digitais deixou de se entender estes espaços como locais de armazenamento e catalogação de documentos em papel. Neste novo conceito de biblioteca, estamos perante um espaço com menos papel e com muitos outros suportes de informação, catálogos em linha, computadores e outras inovações tecnológicas onde o utilizador pode também chegar de forma remota.
O espaço físico é visto de outra forma, ou seja, a necessidade de espaço para arquivo do acervo da biblioteca é substituída pela necessidade de espaço para novas tecnologias, nomeadamente computadores, e automatismos.
Ao nível das colecções, face à interligação possível entre várias bibliotecas, o que contará, na realidade das bibliotecas virtuais, não será a quantidade mas sim as possibilidades de acesso oferecidas. Não justificará, nos dias de hoje e cada vez mais no futuro, que várias bibliotecas tenham acervos repetidos. Na minha opinião, esta situação vai conduzir à especialização das bibliotecas por temas.
O desenvolvimento das colecções terá de resolver as necessidades dos seus utilizadores de forma mais imediata, sob pena de outros serviços o fazerem primeiro. Também aqui me parece que a especialização desempenhará um papel importante. De que serve ter o mesmo acervo que outras bibliotecas? Será mais lógico cada biblioteca se especializar num ou mais temas e aumentar a sua colecção mais rapidamente.
Do ponto de vista dos profissionais as bibliotecas digitais apresentam uma série de novos desafios a começar pelo aumento de formatos de informação e pela dispersão que estes apresentam. O trabalho dos profissionais no acervo deixa de ser local passando estes a necessitar de conhecimentos que lhes permitam localizar e disponibilizar a informação.
Do ponto de vista dos utilizadores as bibliotecas digitais apresentam grandes vantagens relativamente às bibliotecas tradicionais. Desde logo a possibilidade de consulta do acervo de forma remota. A deslocação ao espaço físico deixa de ser obrigatória, permitindo também a consulta de documentos de virtualmente qualquer biblioteca, independentemente da sua localização geográfica.
A catalogação nas bibliotecas digitais é também feita de forma a facilitar a procura do utilizador, ou seja, a procura é mais objectiva graças à utilização de interfaces mais eficientes. De referir também que deixa de existir limite à consulta de um documento, ou seja, tratando-se de um documento digital, o acesso é possível a mais do que um utilizador em simultâneo    
De referir ainda a possibilidade de consulta sem limitação a um determinado espaço físico, ou seja, pesquisa-se num “universo global” de bibliotecas com inúmeras possibilidades de resultados.
A criação, ou melhor, a evolução de uma biblioteca convencional para uma biblioteca digital pode ser condicionada por factores físicos. A esmagadora maioria dos actuais edifícios de bibliotecas não está preparado para receber os equipamentos necessários para operacionalizar uma biblioteca digital, sendo necessárias intervenções importantes.
A preservação é apresentada como outra dificuldade das bibliotecas digitais quer pela relativamente curta durabilidade dos suportes de armazenamento da informação quer pela constante evolução dos sistemas informáticos que rapidamente desactualizam os existentes.
A questão dos direitos de autor ganha grande importância nas bibliotecas digitais. Como impedir a generalização das cópias e como garantir a integridade das obras é um problema que se coloca às bibliotecas digitais e que continua sem resposta capaz.
A redução de custos não tem necessariamente que ser considerada uma limitação. Hoje em dia é possível aumentar o acervo de uma biblioteca sem custos, nomeadamente através da partilha de informação com outras bibliotecas. Antigamente as bibliotecas cresciam através da compra de novas publicações. Hoje em dia tal não é necessário. Por exemplo, as bibliotecas podem acordar partilhar entre si as novas aquisições, dividindo as despesas e, no final, dispondo todos das obras digitais nas respectivas colecções, ou, partilhando e complementando os seus acervos.
Por outro lado convém mencionar que a tecnologia é cara e como já referi, a necessidade de actualização é constante. Desta forma, a redução de custos pode ser considerada uma dificuldade.