segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Literatura Europeia

A questão de existir ou não uma literatura europeia é complexa e está muito longe de reunir consenso.
Respondendo ao desafio que foi lançado de questionar o conceito de literatura europeia a partir da análise dos critérios editoriais de uma grande editora ou colecção, escolhi a colecção “livros de bolso Europa-América”. A escolha baseou-se no facto de se tratar de uma colecção que abarca várias centenas de títulos, publicados ao longo de várias dezenas de anos. Em minha opinião, esta será talvez a colecção mais completa que se possa analisar, pelo menos do que conheço em Portugal. Pela mesma razão pode tratar-se de uma colecção com uma análise complexa.
Trata-se de uma colecção que surgiu em Portugal ainda antes de 1974 e que se mantém até aos dias de hoje percorrendo todos os géneros literários desde o romance à poesia passando também pelo ensaio, pelo conto, entre outros géneros. Pela sua abrangência, será com toda a certeza um bom exemplo para análise.    
Começo esta análise por constatar um facto: sendo uma editora portuguesa, a colecção tem muitos nomes portugueses. Sem querer menorizar a literatura portuguesa, de que aliás gosto muito, penso que uma colecção deste tipo, editada em qualquer outro país da Europa, não teria tantos autores portugueses tendo, isso sim, mais autores do respectivo país. Este facto parece-me incontornável. Parece-me óbvio que qualquer editor será conhecedor profundo da literatura do seu país. Assim, ao editar uma colecção, terá tendência para publicar o que melhor conhece, em detrimento do que não conhecerá tão bem. A isto juntar-se-á também um compreensível nacionalismo. Perante estes factos e considerando que a nacionalidade do editor é factor muito condicionante dos critérios editoriais, vou continuar a análise excluindo da mesma os autores portugueses, uma vez que verifico que na opinião do editor da colecção que analiso, muitos deles fariam parte de um possível panteão, como fariam muitos autores lituanos, se o editor fosse lituano e a colecção publicada na Lituânia.  
Passo a analisar a questão da língua. Seria Shakespeare o autor incontornável que realmente é se não escrevesse em inglês? Seriam as suas obras conhecidas como são se tivessem sido escritas em húngaro ou finlandês? Na minha opinião, a língua é fortemente condicionadora da exposição que um autor pode vir a ter, ou seja, existem línguas que são universais e de certa forma facilitam que uma determinada literatura seja mais conhecida que outra. Torna-se mais fácil descobrir um novo autor que escreva em inglês ou francês, que são línguas aceites e entendidas universalmente, do que se este escrever numa língua menos conhecida. Respondendo às perguntas que coloquei no inicio deste parágrafo, sem dúvida que Shakespeare, pela sua qualidade, seria igualmente um autor incontornável se tivesse escrito em húngaro ou finlandês. A sua ascensão é que teria sido mais difícil, julgo eu.
Outro aspecto importante é que para o melhor e para o pior, uma editora sobrevive das vendas dos seus livros. Infelizmente para os amantes da literatura, poucas editoras se poderão dar ao luxo de lançar uma obra sem ter a certeza que as vendas serão proveitosas. Ao longo dos tempos vários editores se terão deparado com o dilema de publicar ou não uma grande obra que por ser desconhecida pode não ser rentável. Hoje mais do que nunca a dimensão de um autor é condicionada por questões económicas. Por outro lado, com os mecanismos de promoção, é possível, em pouco tempo, arrancar um autor do anonimato e transformá-lo num “campeão de vendas”. Não quero com isto dizer que vender muito é sinónimo de merecer referencia no âmbito de uma análise da literatura europeia.  
Outra constatação que retiro desta análise é a evidente influência da questão social e da questão política na escolha dos títulos, traduzidas no grande número de obras neo-realistas existentes na colecção. Assim, outro factor que condiciona o erigir de um panteão é o ambiente social e político. Um determinado autor pode ser considerado inquestionável num determinado contexto político e social, e questionável num outro contexto oposto.  
Qualquer editora ou colecção se rege por critérios editoriais que variam entre elas. Um dos critérios, a título de exemplo, pode ser apenas o de apenas publicar prosa, ficando neste hipotético caso excluídos autores que apenas escrevam poesia.
Olhando para a lista de Jean-Louis Backès, verifico que os nomes apresentados se repetem na colecção que agora analiso. Talvez seja uma conclusão um pouco precipitada, mas parece que existirão alguns nomes incontornáveis a figurar num possível panteão. Penso que uma análise a outras editoras e colecções daria força a este pensamento: há de facto um grupo de autores incontornáveis na literatura europeia.
Na pequena lista de Backès surgem 18 autores. Desses 18, 6 são franceses, 6 russos, 3 ingleses, sobrando 1 italiano, 1 alemão e 1 norueguês. Realizando uma análise rápida à colecção em análise verifica-se também uma tendência que dá a entender a existência de um predomínio das línguas francesa, russa, inglesa e alemã, se excluirmos os autores portugueses, apenas pela razão atrás exposta.
É inegável a influência e importância de nomes como Proust, Dumas, Voltaire, Flaubert, Balzac, Molière, Pushkin, Dostoievski, Tolstoi, Tchekhov, Lérmontov, Shakespeare, Russel, Bacon, Austen, Goethe, Schiller, Mann, Hesse, entre muitos outros cuja referência exaustiva não se justifica neste trabalho. Qualquer editora ou colecção que pretenda fazer um retrato, abarcando os principais nomes da literatura, não pode dispensar os nomes atrás mencionados e vários outros, demonstrativos da literatura destes países. São sem dúvida autores incontornáveis e que certamente reúnem unanimidade quando se tenta fazer um panteão da literatura europeia. A colecção que agora analiso não os subestimou e foram todos editados.
Incontornáveis também são os clássicos greco-latinos de Homero, Platão, Aristóteles, Esopo e Ovídio. Por se tratarem dos autores das primeiras obras de que existe memória, estes figurarão certamente no panteão da literatura europeia. Na colecção em análise os autores referidos figuram, alguns deles com mais de uma obra, como é o caso de Homero, com a Ilíada e a Odisseia.
Além destes, considero que existem outros incontornáveis, nomeadamente e sem qualquer ordem, Hans Christian Andersen, Kafka, Cervantes, Lorca, Dante, irmãos Grimm, Boccaccio, Moravia, Erasmo. Não ficaria bem sem referir que Camões, Gil Vicente, Fernão Mendes Pinto, Pessoa, Eça de Queirós, Almeida Garrett, Camilo Castelo Branco, são alguns dos nomes que considero terem lugar num panteão da literatura europeia, à semelhança do editor da colecção em análise, que todos publicou.
A colecção livros de bolso Europa-América inclui ainda outros nomes, cuja representatividade e importância no contexto da literatura europeia desconhecia, nomeadamente Szent-Györgyi, Yolanda Földes, Henry Sienkiewicz, Vassilis Vassilikos, Kedros, August Strindberg, Stefan Zweig, Jaroslav Hasek, Sven Hassel, Ibáñez, Collodi, Silone, e Vittorini.
Concluindo, a literatura europeia é muito diversa, com muitos factores que podem induzir discussões sobre este ou aquele autor e o seu valor. Tal como a Europa, continente historicamente em constante convulsão, a literatura europeia é uma miscelânea de onde é difícil fazer surgir um fio condutor ou um denominador comum. Na minha opinião ele existirá sendo a diversidade a sua grande riqueza.

André Bazin vs Christian Metz

André Bazin foi um purista do realismo, rejeitando montagens, efeitos especiais e quaisquer outros meios que no seu entender distorciam a realidade. Para Bazin, como referiu Éric Rohmer, “o que importa (…) não é, portanto, a semelhança entre o cinema e a pintura, mas as suas diferenças”, ou seja, a representação da realidade, idealmente, não deve conter distorções.
Se um pintor exprime na tela a sua visão do mundo de forma livre e pessoal, um filme, para Bazin, deve mostrar a realidade sem intrusões. A própria montagem do filme não deve ter “truques” e os cenários devem ser reais.
Para Bazin a câmara é o instrumento para captar a realidade, devendo o realizador ser quase invisível, revelando passivamente o mundo natural. Em última análise a teoria estética do realismo revela uma fé inabalável na Natureza e na sua força e beleza intrínsecas.
Como nos refere Andrew Tudor, Bazin e também Kracauer caíram no erro de rejeitar a subjectividade estética inerente ao cinema enquanto arte. Levaram a argumentação ao extremo de considerar boa qualquer produção pelo simples facto de cumprir este ou aquele pressuposto, indo com esta teoria contra a subjectividade estética.
Bazin apresenta-se assim adepto do neo-realismo italiano e das produções documentais. Nomes como Rosselini, de Sica e Visconti são o expoente máximo desta expressão estética.
Em minha opinião esta forma de análise cinematográfica apresenta-se muito redutora da magia que se espera do cinema. Os próprios teóricos desta estética ter-se-ão dado conta dos limites demasiado apertados e, como refere Andrew Tudor, terão gostado apaixonadamente de filmes que resultaram do trilhar de outros caminhos.
Em contraponto Christian Metz defende a aplicação da semiótica, possibilitando a análise científica das artes, nomeadamente o cinema. A semiótica propõe-nos a análise das linguagens do cinema. Neste contexto linguagem é diferente de língua ou de som, ou seja, cinema mudo não é sinónimo de que não possui linguagem.
Uma linguagem é um sistema semiótico de comunicação. Esta teoria transposta para o cinema revela-nos a possibilidade de analisar o que o realizador nos quer transmitir. Em sentido contrário ao realismo, que nos mostra o mundo e a comunicação é a própria imagem do mundo, neste caso o realizador, os actores, os próprios cenários têm o objectivo de nos transmitir algo.
Sob este ponto de vista teórico Christian Metz propõe-se a analisar cientificamente o cinema. A questão que se coloca nesta fase, na minha opinião, é que para apreender a mensagem seria necessário conhecer a linguagem. Ora, na minha opinião, isto não é totalmente correcto. Como qualquer forma de arte, o cinema tem o seu lado subjectivo e como sabemos, o método científico, tem alguma dificuldade em lidar com a subjectividade.
É para mim indiscutível que um realizador tem por objectivo transmitir-nos o seu ponto de vista sobre determinado tema. Considero contudo muito discutível que a mesma imagem transmita a mesma sensação a todos quantos a vêem.
Ao nível puramente teórico poderá até ser possível analisar de forma objectiva o conjunto de linguagens de um filme mas é certo que o mesmo filme poderá suscitar reacções muito diversas nos seus espectadores.
Como referi atrás, na minha opinião, espera-se magia do cinema. Se por um lado não se lhe podem impor limites como a estética realista (na sua forma purista) o faz, também o seu lado subjectivo se torna difícil de analisar cientificamente.
Na minha opinião, apesar de reconhecer que uma análise científica não será o mais adequado ao cinema, considero ser a proposta de Christian Metz a mais útil e fecunda. Baseio esta opinião no facto de a teoria estética de Bazin ser redutora em muitos aspectos. O cinema pode tomar muitas formas que não a realista, havendo também inúmeras formas de transmitir a mesma mensagem. É essa a riqueza e a magia do cinema, a sua versatilidade.  

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O livro

Publicar um livro não implica que ele tenha alguma utilidade, que venha trazer algo de novo a alguma área do conhecimento ou que, no mínimo, seja divertido ou interessante. Concordo com Fonseca quando este refere que existem livros inúteis e estúpidos. Concordo igualmente com Ortega quando refere que há livros que, além de estúpidos e inúteis, podem também ser perniciosos. Ortega alerta também para uma certa tendência de “endeusar” os livros. Um livro não é necessariamente algo de bom em que se pode confiar cegamente. Um livro, genericamente, é um instrumento para transmitir informações e conhecimentos mas nada nos garante que os seus autores dominem os assuntos sobre os quais escrevem e a sua idoneidade. Há de facto publicações que por serem mal escritas, desinteressantes, erróneas, tendenciosas, etc., não trazem qualquer valor a uma colecção ou a quem as lê, pelo contrário, podem até induzir em erros e lapsos. Ainda que a estupidez ou inutilidade de um livro possa ser algo muito subjectivo e o que para alguns é inútil pode para outros ter muita utilidade, essa subjectividade desaparece perante muitas coisas que infelizmente, na minha opinião, se publicam. Não sendo possível evitar que surjam estas publicações, exige-se ao profissional de biblioteconomia uma selecção criteriosa para que as colecções fiquem livres desse tipo de publicações. É assim necessário que o bibliotecário esteja preparado para distinguir o útil do inútil para que a sua colecção seja uma referência e se mantenha livre de “más publicações”. Importa aqui também distinguir a utilidade objectiva e subjectiva das publicações, ou seja, há livros que são objectivamente inúteis mas há livros que são inúteis apenas em determinados contextos, podendo não ser indicados para uma determinada biblioteca “genérica”, por não terem procura ou interesse, e muito necessários a outra biblioteca de cariz mais especializado.