quarta-feira, 20 de abril de 2011

Literaturas Europeias II

A questão de existir ou não uma literatura europeia é complexa estando longe de reunir consenso. A Europa é uma manta de retalhos de línguas, culturas e povos que levanta algumas barreiras ao que se poderia chamar uma literatura europeia.
A grande diversidade linguística coloca desde logo alguns entraves. Na minha opinião, cada língua tem a sua própria estrutura que leva a que a poética de cada “estilo” seja diferente consoante seja escrita em inglês ou em alemão, por exemplo.
Culturalmente os povos europeus diferem muito entre si. Dou aqui como exemplo o caso das religiões: de forma geral o sul é católico, o norte é protestante e o leste é ortodoxo. Em diferentes contextos as ideias assumem formas mais ou menos fortes e têm maior ou menor aceitação.
Desta forma, dificilmente encontraremos uma unidade entre as literaturas dos vários países da Europa, pelo menos uma unidade passível de se localizar no tempo e no espaço de forma simples.
Contudo a Europa, sendo uma manta de retalhos, é também um espaço de certa forma reduzido ao nível geográfico. É um espaço onde as ideias podem “viajar” muito facilmente.
O fio condutor que une as diversas literaturas europeias e que, em minha opinião, nos permite falar de uma literatura europeia, é muitas vezes ténue e difícil de contextualizar. Terá havido épocas em que se terá desfeito completamente esse fio condutor como terá havido outras em que se identifica facilmente.
Considero inegável, por exemplo, que exista uma relação entre D. Quixote, Cândido e o Idiota. Estas três obras têm em comum o anti-herói que se terá iniciado em D. Quixote mas que tem reflexos em Voltaire e em Dostoievski não dos personagens em si mas naquilo que eles representam: a vã busca do sentido.
Não terão também as várias literaturas da Europa uma origem comum que se pode seguir até à época em que Homero compôs a Ilíada e a Odisseia? Não será também a herança latina comum a todas as literaturas da Europa?
São, por exemplo, inúmeras as referências à Grécia mitológica nas obras de grandes autores como são Schiller, Hölderlin, Byron ou Chénier. Na minha opinião não são coincidência estas referencias. São resultado de raízes comuns que apesar de terem evoluído de forma diferente, têm ainda muito de semelhante.
Exemplo de algum desfasamento no tempo de ideias semelhantes é a tentativa de poetas alemães de utilizar formas métricas antigas nas suas poesias, a partir do séc. XVIII. O mesmo havia sido tentado em França e na Inglaterra na época da Renascença, sem resultado. Já em Portugal a métrica utilizada em Os Lusíadas é antiga e funcionou, transformando essa obra num clássico na Renascença.
Apesar de um ou outro movimento não se ter manifestado num ou outro país, é possível encontrar muitos traços comuns entre as várias literaturas.
Outra questão, talvez um pouco formal mas não de somenos importância é a questão de as literaturas de cada país não se limitarem, por vezes, à sua própria língua. São exemplos disso Fernando Pessoa, que escreveu em inglês, Kafka que escreveu em alemão, sendo culturalmente também influenciado pela cultura checa ou ainda o facto de os mais conhecidos autores romenos escreverem em francês.    
Assim, concordo com a frase acima, não só nos séculos XIX e XX, como em toda a história da literatura, tendo em consideração, e aqui relativizando, que uma análise de correntes, escolas e movimentos literários não é linear mas podemos certamente falar em Literatura Europeia uma vez que, na minha opinião, são muitas as perspectivas a partir das quais se encontram pontos em comum entre as várias literaturas nacionais.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Do Estado-Nação ao Estado Cultural

A “história constitui-se apenas se a olharmos e, para a olharmos, devemos estar excluídos dela”. Poderá ter sido a constatação deste facto, que Barthes nos coloca de forma simples e objectiva, que originou a consciencialização da necessidade de preservação da memória colectiva.
No séc. XVIII surge a noção de Estado-Nação.
O Estado-Nação pressupõe uma ideia de pertença a uma cultura, a um grupo coeso, a uma língua e a uma história próprias. Esta ideia provem do Iluminismo e impõe a Razão como a força constituidora do Estado. Tendo a Razão tamanha importância, é considerada fundamental a sua preservação, dado ser a Razão legitimadora do próprio Estado-Nação.
Neste contexto a memória, ou melhor, a preservação da memória surge-nos como o “combustível” e a força dos nacionalismos. O papel dos bibliotecários e arquivistas é sobrevalorizado na sua vertente da custódia, conservação e restauro, sendo esta a base da sua actividade.
Neste contexto, as bibliotecas e os arquivos constituem-se guardiões da cultura do Estado, erudita e intelectualizada, relegando de certa forma a cultura de entretenimento para um plano secundário.
O acesso à informação ganha também importância, aparecendo nesta altura modelos de classificação e indexação que permitem a consulta e o aparecimento de uma vertente menos vocacionada para a custódia e mais para a divulgação.     
O final da II Guerra Mundial trouxe, em simultâneo com o fim de formas de nacionalismo mais radicais, uma certa mudança de paradigma no que concerne à cultura. O Estado-Nação dá assim lugar ao Estado Cultural, procurando novas formas de difundir, salvaguardar e fomentar a cultura. Salienta-se aqui a criação da UNESCO a que se seguiu o Conselho Internacional dos Arquivos.
A cultura passa a ser encarada como um direito de todos, estimulando-se a educação popular e a cultura acessível a todos.
Em oposição à custódia, que pressupõe uma certa ideia de prisão, encontramos a salvaguarda, onde se denota uma certa ideia de liberdade, ainda que com preocupações de difusão.
Nesta perspectiva surgem as bibliotecas locais e regionais, na base de uma pirâmide em cujo vértice superior encontramos as bibliotecas e arquivos nacionais. Os topos das várias pirâmides nacionais, como já vimos, estão ligados e cooperam entre si.
Esta cooperação surgida com a evolução dos Estados-Nação para os Estados Culturais, alavancou progressos na partilha de informação técnica e científica. Permitiu, de igual modo uniformizar os métodos e filosofias de partilha, potenciando ainda mais a partilha e difusão de informação.
Saliento o papel actual das bibliotecas nacionais, que reúnem no seu espólio todo o património documental do país, salvaguardando a história e a herança cultural de um povo, de uma nação ou de um país. Fruto da partilha e da difusão de conhecimento, para além do património documental local, estas bibliotecas reúnem igualmente o que publica exteriormente, ou seja, reúnem a história sob duas perspectivas.    
Actualmente assistimos, na minha opinião, a uma verdadeira revolução. O aparecimento da internet constitui, ainda hoje, uma revolução a vários níveis. Com o seu aparecimento e posterior massificação, a difusão da informação tornou-se infinitamente mais rápida, acessível à grande maioria das pessoas e em maior quantidade.
Esta nova situação, sendo cheia de vantagens, apresenta também alguns perigos, nomeadamente a questão da “ditadura” da tecnologia e a questão do excesso de informação.
Em minha opinião a questão da “ditadura” da informação poderá criar clivagens entre quem possuir tecnologia e conhecimentos técnicos e quem não os possuir. Considero que informação é poder e a sua falta pode ser avassaladora para o futuro e quanto mais fácil for a sua difusão, pior será para quem não obtiver acesso a ela. 
Por outro lado os profissionais da informação são cada vez mais confrontados com informação sem valor. Actualmente e mais do que nunca, a publicação um livro, por exemplo, pode não trazer nenhuma informação nova ou útil, podendo mesmo ser pernicioso.