Podemos aqui identificar dois temas
muito comuns à literatura e também a outras artes: a viagem e o amor. Ao longo
de toda a história da literatura estes dois temas têm sido recorrentes,
independentemente de fatores culturais, sociais, religiosos ou políticos. Esta
universalidade dos temas não pode ser confundida com homogeneidade dado que os
mesmos podem ser abordados sob os mais diversos pontos de vista e influências,
resultando em incontáveis perceções sobre o assunto.
O motivo, como o próprio nome indica, é
a razão pela qual surge determinada obra. Por outras palavras, o motivo será
uma concretização mais objetiva de um tema, por exemplo, considerando o tema
amor, um motivo pode ser o amor impossível. Considerando o tema viagem, um
motivo pode ser a viagem interior.
Assim, o tema será sempre mais amplo e
abstrato enquanto que o motivo será sempre mais concreto. O tema será algo de
global ao passo que o motivo será uma parte mais definida do todo.
O mundo literário e das artes estão
repletos de mitos. Mito e literatura têm a mesma origem. Os mitos surgiram da
narração e a literatura, em muitos casos, é a passagem da narração a escrito.
Eurípedes e Sófocles escreveram sobre
Hércules, um herói mitológico, não se sabendo ao certo se por detrás deste
personagem estará ou não um homem real. Hércules, saído da mitologia grega,
serviu de inspiração a numerosas representações artísticas, literárias,
musicais, plásticas e dramáticas.
A título de exemplo de mito bíblico,
refiro o mito da criação, que se encontra escrito na bíblia, mais concretamente
no Génesis, onde Deus cria Adão,
depois de ter ciado o universo, tendo depois criado a mulher a partir de uma
costela de Adão.
No campo da literatura, Tristão e
Isolda, é, na minha opinião, um dos melhores exemplos de mito. A história foi
escrita por autores normandos no século XII, baseando-se em lendas dos povos
celtas do noroeste europeu. Tristão e Isolda foram, ao longo dos séculos,
ganhando várias vidas, influenciando a literatura quer na Idade Média quer no
Renascimento. O mito de Tristão e Isolda foi também inspirador para a música, o
teatro e o cinema.
Resta-nos o mito histórico. Para
exemplificar este tipo de mito, apresento o mito do sebastianismo, a versão
portuguesa do messianismo, sendo contudo de origem secular.
Portugal caiu numa crise sucessória com
a morte do rei D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, tendo o trono
português ficado nas mãos do rei de Espanha, Filipe II.
O povo nunca aceitou este domínio
espanhol, surgindo daí a história de que D. Sebastião estaria ainda vivo, aguardando
apenas o momento certo para voltar. A história transformou-se em lenda e a
lenda em mito.
De certa forma, com D. Sebastião
esfumou-se muito do que era Portugal. O sebastianismo entranhou-se de tal forma
nos portugueses que durante estes séculos não houve ninguém que suprisse a
falta do desejado. Ainda hoje se assiste à esperança portuguesa que algo surja
como que por milagre para resolver os problemas que não queremos enfrentar.
Fernando Pessoa recuperou o
sebastianismo na Mensagem e de forma
mais objetiva em Regresso ao
Sebastianismo, tentando motivar a nação a recuperar o seu patriotismo
perdido, já num contexto completamente diferente do que fez surgir o mito. Já
antes as trovas de Bandarra não deixaram que D. Sebastião morresse.
Mais recentemente, nos anos 60 do século
passado, o mito chegou à música, através do Quarteto 1111 que no seu poema,
curiosamente, cantava a morte de D. Sebastião, colocando, de certa forma, um
ponto final no mito.
No cinema, foi Manoel de Oliveira, em Non ou a vã glória de mandar, que elevou
D. Sebastião à categoria de grande guerreiro.
Também a pintura e a escultura deram
alma ao sebastianismo, que para os portugueses, ainda que de forma
inconsciente, é muito mais que um mito, como refere Eduardo Lourenço, no seu Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do
Destino Português.