segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Tema e Motivo

Tema e motivo são conceitos que por vezes se confundem. Numa qualquer obra literária, o tema é o elemento central a partir do qual se desenvolve o texto e toda a estrutura. É a ideia global sobre a qual se constrói a obra literária. Assim, neste contexto, tema é sinónimo de assunto.
Podemos aqui identificar dois temas muito comuns à literatura e também a outras artes: a viagem e o amor. Ao longo de toda a história da literatura estes dois temas têm sido recorrentes, independentemente de fatores culturais, sociais, religiosos ou políticos. Esta universalidade dos temas não pode ser confundida com homogeneidade dado que os mesmos podem ser abordados sob os mais diversos pontos de vista e influências, resultando em incontáveis perceções sobre o assunto.
O motivo, como o próprio nome indica, é a razão pela qual surge determinada obra. Por outras palavras, o motivo será uma concretização mais objetiva de um tema, por exemplo, considerando o tema amor, um motivo pode ser o amor impossível. Considerando o tema viagem, um motivo pode ser a viagem interior.
Assim, o tema será sempre mais amplo e abstrato enquanto que o motivo será sempre mais concreto. O tema será algo de global ao passo que o motivo será uma parte mais definida do todo.
O mundo literário e das artes estão repletos de mitos. Mito e literatura têm a mesma origem. Os mitos surgiram da narração e a literatura, em muitos casos, é a passagem da narração a escrito.
Eurípedes e Sófocles escreveram sobre Hércules, um herói mitológico, não se sabendo ao certo se por detrás deste personagem estará ou não um homem real. Hércules, saído da mitologia grega, serviu de inspiração a numerosas representações artísticas, literárias, musicais, plásticas e dramáticas.
A título de exemplo de mito bíblico, refiro o mito da criação, que se encontra escrito na bíblia, mais concretamente no Génesis, onde Deus cria Adão, depois de ter ciado o universo, tendo depois criado a mulher a partir de uma costela de Adão.
No campo da literatura, Tristão e Isolda, é, na minha opinião, um dos melhores exemplos de mito. A história foi escrita por autores normandos no século XII, baseando-se em lendas dos povos celtas do noroeste europeu. Tristão e Isolda foram, ao longo dos séculos, ganhando várias vidas, influenciando a literatura quer na Idade Média quer no Renascimento. O mito de Tristão e Isolda foi também inspirador para a música, o teatro e o cinema.
Resta-nos o mito histórico. Para exemplificar este tipo de mito, apresento o mito do sebastianismo, a versão portuguesa do messianismo, sendo contudo de origem secular.
Portugal caiu numa crise sucessória com a morte do rei D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir, tendo o trono português ficado nas mãos do rei de Espanha, Filipe II.
O povo nunca aceitou este domínio espanhol, surgindo daí a história de que D. Sebastião estaria ainda vivo, aguardando apenas o momento certo para voltar. A história transformou-se em lenda e a lenda em mito.
De certa forma, com D. Sebastião esfumou-se muito do que era Portugal. O sebastianismo entranhou-se de tal forma nos portugueses que durante estes séculos não houve ninguém que suprisse a falta do desejado. Ainda hoje se assiste à esperança portuguesa que algo surja como que por milagre para resolver os problemas que não queremos enfrentar.
Fernando Pessoa recuperou o sebastianismo na Mensagem e de forma mais objetiva em Regresso ao Sebastianismo, tentando motivar a nação a recuperar o seu patriotismo perdido, já num contexto completamente diferente do que fez surgir o mito. Já antes as trovas de Bandarra não deixaram que D. Sebastião morresse.
Mais recentemente, nos anos 60 do século passado, o mito chegou à música, através do Quarteto 1111 que no seu poema, curiosamente, cantava a morte de D. Sebastião, colocando, de certa forma, um ponto final no mito.
No cinema, foi Manoel de Oliveira, em Non ou a vã glória de mandar, que elevou D. Sebastião à categoria de grande guerreiro.
Também a pintura e a escultura deram alma ao sebastianismo, que para os portugueses, ainda que de forma inconsciente, é muito mais que um mito, como refere Eduardo Lourenço, no seu Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do Destino Português.                      

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Conceito de Literatura

A dimensão do termo literatura encerra em si muitas dimensões, podendo significar um conjunto de escritos de um autor, de uma época, de um estilo, de um tema, de um país…         
A forma moderna do conceito de literatura surgiu no século XVIII, continuando a sua evolução até ao século XIX. Hoje, denominamos como literatura todas as obras escritas em todos os períodos históricos. Anteriormente ao século XVIII, literatura significava simplesmente texto escrito. Após essa época o conceito de literatura deixa de ter somente um aspeto quantitativo e passa a ter também um aspeto qualitativo, ou seja, deixa de referir-se apenas à gramática, à arte de ler e escrever, à instrução e à erudição.
Após o século XVIII, a literatura é entendida como arte, como uma representação do real, ou, também, uma transfiguração do real, criada pelo escritor, através da qual transmite aos leitores a sua visão e o seu sentido estético. Deixa aqui de ter a maior importância a forma para se dar a primazia ao conteúdo. Desta forma, a literatura assume-se como forma de intervenção no mundo, deixando apenas de o descrever. A visão da realidade de um escritor é criada por ele próprio não podendo se mensurável de forma científica, diferindo entre diferentes escritores.
Por alturas do século XVIII, a literatura e o estudo da literatura ganham uma dimensão diferente da que tinham tido até aí. Uma obra literária deixa de ser avaliada apenas pela sua gramática e pela sua poética, passando a ser também avaliada pelos seus conteúdos mais subjetivos, pela imagem da realidade que transmite, pela visão do seu autor.
Esta mudança não é alheia ao Iluminismo, sendo a razão desta transformação no conceito de literatura. Este movimento gerou uma vasta mudança na vida política, social e cultural na Europa. As transformações foram imensas, revelando-se também na literatura, tornando-a, como já referido mais interventiva e crítica do mundo.
Nesta fase generaliza-se também o ensino e a escrita, tornando os livros acessíveis a um maior número de pessoas. De igual modo gera-se a participação de um maior número de pessoas nos processos de tomada de decisões, ou, pelo menos, essas decisões são avaliadas de forma critica. Desta forma a visão da literatura altera-se, estando nesta fase os autores mais participativos e empenhados em transmitir a sua visão do mundo, tentando também modelá-lo.
A literatura ganha nesta fase diversas vidas uma vez que a visão que o autor pretende e pensa transmitir pode não ser a percecionada pelo leitor. Se o autor recria a realidade o leitor pode, também, a partir das palavras do autor, recriar uma outra realidade diferente da primeira. Do mesmo modo, uma obra literária pode assumir realidades diferentes ao longo do tempo, independentemente do autor e do tempo em que nasceu.

Assim, não bastará ao autor dominar a arte da escrita, deve igualmente ter uma forma sua de ver o mundo e vontade de comunicar. Desta forma a literatura é uma forma de arte, uma representação estética do mundo.

Viagem

O tema viagem é extremamente frequente na literatura ao longo dos tempos, transversal a todas as literaturas nacionais e de forma geral a todas as poéticas.
Pelos mais variados motivos, sempre existiram viagens. Fosse com objetivos mercantis, lúdicos, bélicos, religiosos, as viagens sempre existiram e sempre se refletiram na literatura.
A história de literatura está repleta de viajantes famosos: Gulliver, Cândido, D. Quixote, Marco Pólo, Ulisses, Sal e Dean, entre muitos outros.  
Existirão muitas obras literárias em que o tema principal anda em torno de viagens, sejam de cariz mais físico, sejam de cariz mais metafisico. A própria génese da literatura europeia, a Ilíada e a Odisseia, desenvolve-se em torno de viagens.
A viagem, em literatura, nem sempre tem subjacente uma deslocação de um local para outro, não é sempre um diário de bordo ou um caminho percorrido. Uma viagem pode ser um exame ao ser, pode ser uma redenção ou uma metamorfose, como em Kafka.
Uma viagem, do ponto de vista mais literal, em que um autor se desloca a um espaço que não é o seu, implica uma intrusão de ordem social e cultural. O viajante, ao encontrar uma realidade diferente da que é a sua, vai olhá-la com espirito crítico. Veja-se, por exemplo, a forma como Cândido olhou para Lisboa ou a forma como os vários personagens de A Ignorância, de Kundera, olham para a República Checa e para si mesmos. Estes diferentes olhares sobre um determinado tema ajudam a moldar a imagem global que se vai progressivamente construindo, fruto dos diferentes contributos.
A literatura em si mesma é também uma viagem. Dou aqui como exemplo O velho que lia romances de amor, que nos transporta através de uma narrativa quase fotográfica à selva amazónica.
Da análise do tema torna-se até possível traçar uma evolução histórica do que é uma viagem, distinguir conceitos que à partida poderiam confundir-se, como viagem, peregrinação e turismo. Esta análise resulta, naturalmente, de uma perspetiva comparatista da literatura.   
Resta concluir que no âmbito da literatura comparada, o tema viagem é um inesgotável filão de matéria-prima. Da mesma forma, outros temas seriam igualmente profícuos em possibilidades de análise.
“Desde o seu início, os estudos literários e as artes da interpretação têm sido comparativos” (STEINER:2003). Em minha opinião, o simples ato de ler, é, ainda que de forma inata, uma ato comparatista. Ao tentar definir o que se leu, por exemplo, tentaremos encontrar uma influência ou um sucedâneo que melhor enquadre o que pensamos de determinada obra.
Weltliteratur, designação inventada por Goethe, define maravilhosamente o que se pode designar por literatura global. As fronteiras dos países e das línguas esbatem-se e torna-se possível encontrar pontos de contacto entre realidades aparentemente distantes.
Deste conceito surgem as apreciações mais díspares sobre temas comuns. Por exemplo, Paris é retratada por inúmeros autores ao longo dos anos, cada um com a sua perspetiva mas todos contribuindo para uma imagem imaginária de uma cidade.
O comparativismo permite estudar a fundo as relações entre as diversas literaturas, as suas linguagens, o seus imaginários, a forma como cada uma trata um mesmo tema e, essencialmente, o que há de comum e de diverso entre cada uma.
Acima de tudo, o comparativismo permite que se estudem as diversas literaturas como uma só. Neste aspeto, o tema viagem, sendo recorrente e amplamente utilizado pelos mais diversos autores permite um aprofundamento que de outra forma seria difícil de alcançar.