sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Viagem

O tema viagem é extremamente frequente na literatura ao longo dos tempos, transversal a todas as literaturas nacionais e de forma geral a todas as poéticas.
Pelos mais variados motivos, sempre existiram viagens. Fosse com objetivos mercantis, lúdicos, bélicos, religiosos, as viagens sempre existiram e sempre se refletiram na literatura.
A história de literatura está repleta de viajantes famosos: Gulliver, Cândido, D. Quixote, Marco Pólo, Ulisses, Sal e Dean, entre muitos outros.  
Existirão muitas obras literárias em que o tema principal anda em torno de viagens, sejam de cariz mais físico, sejam de cariz mais metafisico. A própria génese da literatura europeia, a Ilíada e a Odisseia, desenvolve-se em torno de viagens.
A viagem, em literatura, nem sempre tem subjacente uma deslocação de um local para outro, não é sempre um diário de bordo ou um caminho percorrido. Uma viagem pode ser um exame ao ser, pode ser uma redenção ou uma metamorfose, como em Kafka.
Uma viagem, do ponto de vista mais literal, em que um autor se desloca a um espaço que não é o seu, implica uma intrusão de ordem social e cultural. O viajante, ao encontrar uma realidade diferente da que é a sua, vai olhá-la com espirito crítico. Veja-se, por exemplo, a forma como Cândido olhou para Lisboa ou a forma como os vários personagens de A Ignorância, de Kundera, olham para a República Checa e para si mesmos. Estes diferentes olhares sobre um determinado tema ajudam a moldar a imagem global que se vai progressivamente construindo, fruto dos diferentes contributos.
A literatura em si mesma é também uma viagem. Dou aqui como exemplo O velho que lia romances de amor, que nos transporta através de uma narrativa quase fotográfica à selva amazónica.
Da análise do tema torna-se até possível traçar uma evolução histórica do que é uma viagem, distinguir conceitos que à partida poderiam confundir-se, como viagem, peregrinação e turismo. Esta análise resulta, naturalmente, de uma perspetiva comparatista da literatura.   
Resta concluir que no âmbito da literatura comparada, o tema viagem é um inesgotável filão de matéria-prima. Da mesma forma, outros temas seriam igualmente profícuos em possibilidades de análise.
“Desde o seu início, os estudos literários e as artes da interpretação têm sido comparativos” (STEINER:2003). Em minha opinião, o simples ato de ler, é, ainda que de forma inata, uma ato comparatista. Ao tentar definir o que se leu, por exemplo, tentaremos encontrar uma influência ou um sucedâneo que melhor enquadre o que pensamos de determinada obra.
Weltliteratur, designação inventada por Goethe, define maravilhosamente o que se pode designar por literatura global. As fronteiras dos países e das línguas esbatem-se e torna-se possível encontrar pontos de contacto entre realidades aparentemente distantes.
Deste conceito surgem as apreciações mais díspares sobre temas comuns. Por exemplo, Paris é retratada por inúmeros autores ao longo dos anos, cada um com a sua perspetiva mas todos contribuindo para uma imagem imaginária de uma cidade.
O comparativismo permite estudar a fundo as relações entre as diversas literaturas, as suas linguagens, o seus imaginários, a forma como cada uma trata um mesmo tema e, essencialmente, o que há de comum e de diverso entre cada uma.
Acima de tudo, o comparativismo permite que se estudem as diversas literaturas como uma só. Neste aspeto, o tema viagem, sendo recorrente e amplamente utilizado pelos mais diversos autores permite um aprofundamento que de outra forma seria difícil de alcançar.    

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