O tema viagem é extremamente frequente
na literatura ao longo dos tempos, transversal a todas as literaturas nacionais
e de forma geral a todas as poéticas.
Pelos mais variados motivos, sempre
existiram viagens. Fosse com objetivos mercantis, lúdicos, bélicos, religiosos,
as viagens sempre existiram e sempre se refletiram na literatura.
A história de literatura está repleta de
viajantes famosos: Gulliver, Cândido, D. Quixote, Marco Pólo, Ulisses, Sal e
Dean, entre muitos outros.
Existirão muitas obras literárias em que
o tema principal anda em torno de viagens, sejam de cariz mais físico, sejam de
cariz mais metafisico. A própria génese da literatura europeia, a Ilíada e a
Odisseia, desenvolve-se em torno de viagens.
A viagem, em literatura, nem sempre tem
subjacente uma deslocação de um local para outro, não é sempre um diário de
bordo ou um caminho percorrido. Uma viagem pode ser um exame ao ser, pode ser
uma redenção ou uma metamorfose, como em Kafka.
Uma viagem, do ponto de vista mais
literal, em que um autor se desloca a um espaço que não é o seu, implica uma
intrusão de ordem social e cultural. O viajante, ao encontrar uma realidade
diferente da que é a sua, vai olhá-la com espirito crítico. Veja-se, por
exemplo, a forma como Cândido olhou para Lisboa ou a forma como os vários
personagens de A Ignorância, de
Kundera, olham para a República Checa e para si mesmos. Estes diferentes
olhares sobre um determinado tema ajudam a moldar a imagem global que se vai
progressivamente construindo, fruto dos diferentes contributos.
A literatura em si mesma é também uma
viagem. Dou aqui como exemplo O velho que
lia romances de amor, que nos transporta através de uma narrativa quase
fotográfica à selva amazónica.
Da análise do tema torna-se até possível
traçar uma evolução histórica do que é uma viagem, distinguir conceitos que à
partida poderiam confundir-se, como viagem, peregrinação e turismo. Esta
análise resulta, naturalmente, de uma perspetiva comparatista da literatura.
Resta concluir que no âmbito da
literatura comparada, o tema viagem é um inesgotável filão de matéria-prima. Da
mesma forma, outros temas seriam igualmente profícuos em possibilidades de
análise.
“Desde o seu início, os estudos
literários e as artes da interpretação têm sido comparativos” (STEINER:2003).
Em minha opinião, o simples ato de ler, é, ainda que de forma inata, uma ato
comparatista. Ao tentar definir o que se leu, por exemplo, tentaremos encontrar
uma influência ou um sucedâneo que melhor enquadre o que pensamos de
determinada obra.
Weltliteratur,
designação
inventada por Goethe, define maravilhosamente o que se pode designar por
literatura global. As fronteiras dos países e das línguas esbatem-se e torna-se
possível encontrar pontos de contacto entre realidades aparentemente distantes.
Deste conceito surgem as apreciações
mais díspares sobre temas comuns. Por exemplo, Paris é retratada por inúmeros
autores ao longo dos anos, cada um com a sua perspetiva mas todos contribuindo
para uma imagem imaginária de uma cidade.
O comparativismo permite estudar a fundo
as relações entre as diversas literaturas, as suas linguagens, o seus
imaginários, a forma como cada uma trata um mesmo tema e, essencialmente, o que
há de comum e de diverso entre cada uma.
Acima de tudo, o comparativismo permite
que se estudem as diversas literaturas como uma só. Neste aspeto, o tema
viagem, sendo recorrente e amplamente utilizado pelos mais diversos autores
permite um aprofundamento que de outra forma seria difícil de alcançar.
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