terça-feira, 21 de junho de 2011

Diário de um pároco de aldeia

Robert Bresson em “Diário de um Pároco de Aldeia” conta-nos a história de um jovem padre colocado na sua primeira paróquia, a aldeia francesa de Ambricourt. Este padre padece de problemas de saúde, que lhe conferem uma fraca estabilidade física e alguma falta de equilíbrio psicológico. O seu corpo conseguia apenas aguentar pão e vinho, por vezes com um pouco de açúcar. Assistimos assim no filme a uma caminhada no alcoolismo, veneno para a completa destruição do padre.
Este filme retrata as modificações em curso na igreja: de um lado a igreja distante das pessoas, poderosa e autoritária, representada pelo padre de Torcy e a nova igreja das preocupações sociais representada pelo jovem padre.
De certa forma o jovem padre tem dificuldade em impor a sua autoridade e hesita no seu papel de líder espiritual. Perante estas hesitações a população da aldeia não o recebe bem, dificultando-lhe o trabalho e odiando-o. A sua origem pobre leva-o a entrar em disputa com os mais ricos e a questionar-lhes a aparente felicidade.
Enrolado neste turbilhão de álcool, falta de auto-estima e debilitado pela doença, o jovem padre vai começando a questionar a própria existência de Deus.
O filme encontra-se carregado de simbolismos. Para além do referido acima, da questão da “nova” e da “velha” igreja, existem muitos outros. Desde logo a alimentação do jovem padre, apenas pão e vinho, na minha opinião aludindo aos elementos proféticos das escrituras. Os vómitos de sangue e de vinho, aludindo à morte de Cristo, ao seu sangue e ao vinagre que lhe foi dado.
A juventude do padre volta a aludir ao nascimento de uma nova igreja, mais voltada para a sociedade e os seus problemas, mas de certa forma incapaz de os resolver. 
Está assim feita, em traços muito gerais, a sinopse de um filme realizado por um dos maiores realizadores franceses.
Robert Bresson é sem qualquer dúvida um “auter”. É considerado um dos maiores cineastas franceses de sempre e um dos mestres do minimalismo. Bresson, pela sua concepção renovadora do cinema, foi o mestre que abriu caminho a outros grandes nomes do cinema, muito especialmente aos da nouvelle vague.
Diz-se de Bresson que era um realizador que não fazia concessões de nenhuma ordem. Era a sua visão que sempre imperava. Exemplo disso é a sua concepção de adaptação. O filme “Diário de um Pároco de Aldeia” é de certa forma pouco fiel ao livro de Bernanos, uma vez que para atingir os mesmos objectivos, segue diferentes caminhos. Os próprios diálogos do filme não são retirados do livro.
A questão da teoria de auter é polémica. Reduzida ao absurdo, basta saber quem realizou o filme para saber se é bom e terá surgido como oposição ao cinema tradicional, especialmente o de Hollywood. Assim, dentro desta análise, podem surgir filmes maus mas que por serem de um determinado realizador conquistam um estatuto diferente.
Não será o caso deste filme de Bresson, considerado mesmo por Tarkovski o seu filme favorito.
Da mesma forma, esta teoria pode fazer com que se rejeitem realizadores sem sequer nos darmos ao trabalho de ver os seus filmes
Recordo igualmente a formação de Bresson em artes plásticas e filosofia que lhe possibilitam uma visão do cinema muito mais complexa.
Em minha opinião, a teoria de auter constitui-se mais como uma classificação do que como uma forma de interpretação. Sendo uma forma de interpretação, sem duvida que podemos considerar o filme em análise como “de auter”. A Câmara de Bresson, neste filme, captou muito mais do que imagens, realizando uma verdadeira obra de arte, na opinião de muitos, muito superior ao livro que a motivou.

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