terça-feira, 21 de junho de 2011

Três imagens para um retrato da América

A imagem que cada um de nós tem da América é de certa forma induzida pelos mais variados meios, literários, cinematográficos, noticias, entre outros. Essa imagem quase nunca corresponde a um estudo fundamentado mas sim a uma percepção baseada em observações de determinados pontos de vista, poucas vezes com contraditório.
Quantos acham que sabem muito sobre a América apenas porque viram dois ou três filmes.
A América é complexa e a generalidade das imagens que temos dela são algo simplistas.
Respondendo ao desafio lançado, escolhi o romance de John Steinbeck, As Vinhas da Ira, o personagem Bill Kilgore, do filme Apoclypse Now Redux e uma fotomontagem de uma mulher africana carregando um hambúrguer e um balde em forma de lata de coca-cola (de dieta).
Começando pelo livro de Steinbeck, escolhi-o por retratar a história de uma família que parte em busca de um El Dourado, após perder a esperança de sobreviver na sua terra.
Esta narrativa exprime, na minha opinião, muito daquilo que realmente é a América. Por um lado, é terra de pessoas lutadoras que buscam a sua “terra prometida”, por outro é terra de capitalismo selvagem e de tensões sociais sempre latentes e prontas a deflagrar.
No contexto da grande depressão, a família Joad perdeu as suas terras alugadas, na sequência das grandes tempestades de areia que assolaram o centro dos Estados Unidos e das más colheitas daí resultantes.
A história desta grande migração para Oeste, repete de certa forma a migração de muitos povos para a América, muito em particular a dos emigrantes irlandeses, que na década de 40 do séc. XIX, fugiam da fome no seu país.
Por este ponto de vista, a situação narrada por Steinbeck é a renovação da terra prometida americana, da terra das oportunidades onde todos seriam felizes e alcançariam o desafogo financeiro.
Contudo, no seu caminho para Oeste, através de praticamente meio continente americano, as dificuldades são imensas e grande parte delas colocadas por outros americanos. É o caso da polícia, que persegue os migrantes, dos patrões que os vão explorando, manipulando os ordenados, dos vendedores que inflacionam os bens, entre outros.
A imagem que este livro cria em quem o lê é desde logo a de um país que oferece oportunidades mas que impõe muitos obstáculos para as conquistar e onde se encontram também muitos ódios. Fica igualmente um testemunho da dicotomia entre ricos e pobres e de uma sociedade estratificada.
Concluindo esta análise, termino salientando a grande prova de altruísmo e solidariedade com que o livro termina. Uma das mulheres da família, estando a acabar de perder um filho, alimenta do seu peito um moribundo desconhecido que estava a morrer de fome. Creio também ser esta imagem transponível para a América, que muitas vezes faz chegar ajuda humanitária a outros povos.
A imagem seguinte, a personagem Bill Kilgore, é, na minha opinião, demonstrativa do espírito justiceiro da América. Bill Kilgore é um soldado americano a prestar serviço no Vietname, comandando uma unidade de helicópteros. Kilgore é um excêntrico amante de surf e um homem aparentemente magnânimo. É, na minha opinião, a personificação do cowboy americano.
Kilgore é um fanfarrão que vive mais de acordo com a sua própria lei do que respeitando a hierarquia. É uma daquelas pessoas que parecem ter uma aura protectora e que sabemos que não lhe irá acontecer nada. A sua motivação para ajudar quem precisa é a sua paixão pelo surf e não as ordens vindas da hierarquia. Também neste aspecto a América tem muitas vezes liderado vários processos por razões que não são as óbvias ou as mais ortodoxas.
Kilgore demonstra ser magnânimo quando pretende dar de beber a um adversário ferido. Esta nobreza desaparece contudo quando alguém lhe diz que um dos soldados recém chegados é um conhecido surfista e o seu adversário fica sem beber.
Eduardo Lourenço fala-nos no espírito western americano. A América tem necessidade de encontrar novos inimigos a cada dia que passa, tem necessidade de se armar e de andar armada ainda que sem inimigo à vista. Kilgore representa tudo isso. Não se limitou a cumprir ordens, teve que aniquilar o inimigo apenas para conseguir surfar. Este homem seria capaz de começar uma guerra se lhe dissessem que havia boas ondas num local que não fosse seu.
Bill Kilgore parece demonstrar uma grande preocupação com os civis que estão a ser evacuados e na ajuda aos feridos, situação que é também muito grata à América.
A 1.ª guerra do Iraque foi também a primeira guerra praticamente transmitida em directo. Também na cena da cavalaria aérea encontramos uma equipa de televisão, cuja preocupação aparente não é a de noticiar mas si a de captar imagens com impacto de forma a recriar uma guerra-espectáculo.
Saliento por último o dramatismo dado ao ataque, com a transmissão de Wagner, com o objectivo de aterrorizar o inimigo. É uma carga dramática assinalável, ao bom estilo americano que coloca uma boa dose de dramatismo e carga simbólica em tudo.
A terceira imagem, talvez a mais óbvia, representa a globalização. A globalização não é algo que se possa atribuir apenas à América mas será talvez o país que mais tem a ganhar com ela. A maior economia do mundo não poderá nunca abdicar de produzir e grande parte do que produz tem que ser consumido noutras partes do planeta.
A Coca-Cola será porventura a marca mais reconhecível em todo o mundo, arriscando-me dizer que será consumida em todos os países, mesmo naqueles que são inimigos viscerais. O hambúrguer, por seu lado, será o símbolo da comida rápida.
Mais do que simples alimentos ou marcas estes produtos representam o modo de vida americano e o modo de vida americano já é o modo de vida de muitos outros povos e países.
A mulher da fotografia podia ser representada de muitas outras formas, com uma roupa da Nike, com um computador Microsoft ou Apple, a pesquisar no Google, a comer no Pizza Hut ou de muitas outras formas. O essencial da foto é que de certa forma o mundo é cada vez mais uniforme e muito disso se deve à América.
Uma última referencia para este modo de vida: a alimentação à base de comida rápida não é saudável, sendo excedente em calorias. Os americanos e os europeus resolvem a situação recorrendo a bebidas de dieta, como é o caso da foto.

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