terça-feira, 21 de junho de 2011

Walden ou a vida nos bosques

Eduardo Lourenço refere que “(…) em nome das informações de que dispunham acerca dos costumes e práticas dos habitantes do novo mundo, os Índios, podiam entrar na categoria dos seres “naturalmente escravos”(…)”. Lourenço (2005: 31).
Partirei desta afirmação para analisar a obra de Henry David Thoreau, Walden ou a vida nos bosques. Trata-se da mais conhecida obra deste escritor e pensador que é hoje em dia considerado um dos maiores vultos da cultura norte-americana. 
Hoje é quase unanimemente aceite, à excepção de algumas posições mais radicais, que de certa forma são cultural e socialmente condenadas, que não há culturas superiores ou inferiores, havendo, isso sim, culturas diferentes. O excerto de A morte de Colombo lembra-nos que as coisas nem sempre foram assim e que tempos houve em que as culturas eram julgadas pelos seus costumes e práticas, havendo seres humanos que podiam ser considerados “naturalmente escravos”. Esta forma de pensar tem inerente uma ideia de superioridade da Europa.
O novo mundo, descoberto ou achado por Colombo, constituía uma promessa de um paraíso, de um novo começo, de certa forma a terra prometida. Contudo, o novo mundo só era novo para os europeus. As Américas eram habitadas e desenvolviam-se neste continente várias civilizações, com diferentes graus de desenvolvimento técnico mas todas elas em comunhão com a Natureza e vivendo de forma auto-suficiente.
A chegada dos europeus, com um grau de desenvolvimento técnico mais avançado, dita a subjugação dos Índios e em muitos casos tentativas de extermínio destes. A ocupação do território leva a um afastamento cada vez maior da Natureza e do modo de vida ancestral dos povos Índios. De facto, estava a ser transportado para a América o modo de vida europeu. A Europa vivia uma revolução industrial que mudava a face do continente e mudava essencialmente o modo de vida das pessoas. Registava-se um afluxo de pessoas para as cidades, para alimentar a crescente procura de mão-de-obra para a indústria e também porque no campo deixava de haver tanta necessidade de trabalhadores dado a mecanização crescente da agricultura.
Henry David Thoreau, na obra que me proponho agora a analisar, Walden, ou a vida nos bosques, dá-nos conta da sua desilusão relativamente ao estilo de vida “moderno” e da sua procura de uma vida auto-suficiente.
Thoreau encontrava-se insatisfeito com o modo de vida da sociedade. Entendia que as pessoas viviam para ter muito mais do que é realmente necessário. Referia nomeadamente em relação às habitações que “das grutas evoluímos para os tectos feitos de folhas de palmeiras, cascas e galhos de árvores (…). Por fim, desconhecemos o que é viver ao ar livre…” Thoreau (2009: 43).
Thoreau construiu uma cabana junto ao lago Walden para onde foi viver abdicando de muitos confortos, mas procurando uma vida dedicada ao essencial. O autor procurava escapar a uma sociedade que começava a ficar densamente industrializada e onde se praticava uma agricultura intensiva.
No fundo Thoreau procurava fugir aquilo que era a cultura e sociedade europeias implantadas no novo mundo. Muito cedo, falamos do séc. XIX, Thoreau assumia-se contra a sobrevalorização dos bens materiais em detrimento dos bens espirituais.
A questão da escravatura é pertinente. Nos Estados Unidos só foi decretada a libertação de todos os escravos em 1863, um ano após a morte de Thoreau. Contudo o autor, mostrava-se contra a escravatura, sendo contra o modelo europeu, que assentava o seu desenvolvimento no trabalho escravo.
Arrisco mesmo dizer que Thoreau considera que os verdadeiros escravos são os que não se conseguem libertar da necessidade de estarem rodeados de confortos e bens materiais. Nos anos sessenta do século passado assistiu-se ao movimento hippie que de certa forma estava imbuído de valores semelhantes aos que Thoreau defendeu mais de uma centena de anos antes.   
Thoreau não só não considerava que havia povos “naturalmente escravos” como entendia que o melhor modo de vida era precisamente o desses povos. Perante esta perspectiva, a descoberta da América pelos “ocidentais” não terá sido muito benéfica pois veio de certa forma destruir um modo de vida que para Thoreau era o mais indicado. 
Thoreau é uma daquelas pessoas que nascem muito à frente do seu tempo. Não só na questão da escravatura, como na questão dos valores que defendia. Na minha opinião trata-se de posições um pouco radicais que poderiam contudo servir de base para a construção de uma sociedade mais justa, permitindo um são convívio entre as pessoas e a Natureza e entre todas as pessoas.          

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